O suor lavado na lava que respira, antes que seja tarde. Um beijo levado ao rosto, que a noite não se envergonha. As mãos tatuadas de blandícia, o capítulo que se segue a uma coreografia lasciva. O vulcão não dorme. Os rostos enfeitam-se na maresia, de propósito; a maresia é a sua maquilhagem. Todas as tatuagens, as visíveis e as invisíveis, desfilam nas paredes onde os remoinhos do medo se dissolvem.
Tudo, como se fosse um souk. As especiarias amontoadas, obedecendo à ordem das cores e dos odores, à disposição dos artesãos. Uma paleta cuidada, avivando os sentidos à medida que se percorrem os corredores do mercado, à medida que os pregões ininteligíveis atropelam o silêncio, emprestando uma gramática singular ao lugar. Os vendedores aproximam-se. Adivinham a origem dos forasteiros. Se não acertam à primeira, não erram à segunda. Nunca se houvera visto relações públicas tão diligentes e mercancias que se tornam exuberantes aos olhos consumidores. Os sentidos pares, extáticos, levitam pelo mercado fora. Não chegam a perceber quando saem do mercado, devidamente anestesiados.
A constelação de aromas fica embebida nos corpos, mistura-se com o suor. As mãos não se fundiram com as especiarias, mas os corpos parece que mergulharam numa piscina onde a água foi substituída por uma infusão das melhores especiarias. Os olhos fecham-se, procuram o sono impetrado por horas consecutivas de viagem pelas estradas intermináveis, por paisagens intermináveis. Os poros que habitam o corpo exalam a fusão de especiarias e de suor. Nem o ar condicionado previne os corpos suados.
O sono mistura-se com um sonho. Cada capítulo do sonho é o eufemismo de uma especiaria. Como se cada especiaria tivesse estabelecido uma embaixada e reclamasse, a seu favor, uma courela do corpo. Este tornara-se a cartografia das especiarias inventariadas no mercado. Com serventia para fins diferentes, abrindo as hipóteses de utilização do corpo.
Nas noites seguintes, os sonhos assim traduzidos repetiram-se. Podia-se estabelecer que já era um perito nas especiarias. Tratava por tu o cravinho, o açafrão das Índias, a malagueta, o cardamomo, a noz moscada, a pimenta de Caiena, a canela, o sal dos Himalaias, o anis, o pimentão doce, e a fusão de muitas delas, o caril. As especiarias funcionavam como as palavras: tinham de ser escoltadas a preceito das ocasiões, e algumas delas não podiam ser caldeadas.
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