8.11.22

Etimologia (short stories #412)

Sigur Rós, “Svo Hljótt” (live), in https://www.youtube.com/watch?v=DI22uJhgLVM

          Não percebo como os nacionalistas incorrigíveis, os de cerviz ideológica e os mais numerosos que escorregam do orgulho pátrio para o nacionalismo pueril, ainda não descobriram que portuguesa rima com certeza. E ainda ninguém terá explicado aos revolucionários das mais diversas linhagens que o apeadeiro é o lugar onde se apeiam, mesmo que seja contra a sua vontade, os capitalistas que medram na infâmia do egoísmo e da avareza. Não se diga, em abono dos nacionalistas, que a bandeira que dizem honrar é um salvo-conduto da estética – é só perguntar a um tutor da moda e a um cultor da estética, que dirão, sem pestanejar, que não é com essa combinação de cores que os estetas se inebriam. Não se diga, em abono dos variegados revolucionários, que a vida do operariado ficaria melhor se os capitalistas fossem condenados à extinção. Ao centro da mesa, num ecumenismo comovente, sobem em uníssono os nacionalistas e os revolucionários. Deles se diz que não conseguem conviver no mesmo lugar. É um preconceito – e como os preconceitos, fadado para errar. Os nacionalistas atiram-se aos cueiros dos capitalistas. O egoísmo e a avareza são incompatíveis com os deveres perante a pátria. Sem saberem, fazem o jogo dos revolucionários. Estes retribuem a gentileza. As fronteiras liquefeitas opõem-se aos dogmas de que se alimentam. Não enjeitam resgatar o imobilismo das fronteiras que separavam, de viva-voz, os países. Pois desse modo tiram o palco ao grande capital, que precisa da ausência de fronteiras para vender em qualquer lado e para em qualquer lado produzir, contratando a mão-de-obra que for mais barata. Sem darem conta, os revolucionários contribuem para a retórica de ensimesmamento dos nacionalistas. Laboram na mesma etimologia. Numa fraternidade irreconhecível que, todavia, se ativa no ecumenismo que não se cansam de praticar através de refrões tão consanguíneos.

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