25.11.22

Ir a jogo (sem trunfos)

Nitin Sawhney, “Koyal”, in https://www.youtube.com/watch?v=dEg3Ok7aMyA

Manual de instruções (para os que dele precisarem): não se recusa uma boa peleja, que a verticalidade da coluna dorsal exige o devido cuidado e a covardia é um bolor que apequena. É preciso ir a jogo, sempre. Mesmo que não haja trunfos, nem sequer escondidos, na cartada que se alberga na manga sucessiva.

Ir a jogo, sempre. Porque o jogo ganha-se e perde-se, umas e outras vezes. Que ninguém se convença que existe um imperativo constante de saldar o jogo por triunfos. É da natureza do jogo dele sairmos perdedores, umas ou outras vezes, sem ser preciso cuidar da estatística e cair no poço fundo da angústia se a mórbida curiosidade mostrar números que causam condoimento. 

E pode-se ir a jogo mesmo que se saiba que os trunfos estão ausentes. A perícia do rumor, infundamentado como devem ser os rumores, é a arma secreta que não pode deixar de ser usada. Aceite-se a analogia simbólica: é um pouco como jogar à roleta russa (um jogo, outra vez): a loucura de não saber se o gatilho premido corresponde à câmara vazia ou se ela está, nessa posição, ocupada por uma bala, dispara o termómetro da adrenalina no próprio e no adversário de circunstância. A isto chamam, os jogadores encartados, bluff

E se as limitações da ética espreitarem pelo periscópio, que não fiquem os jogadores embaraçados: o bluff integra o arsenal dos estipêndios do jogo, não se pode considerá-lo uma mentira. Não abarca o remorso legítimo levantado pela consciência que se ativa enquanto tal. Os que vão a jogo devem jogá-lo de acordo com as regras estabelecidas. Delas não consta o impedimento do boato, nem o boato faz parte da semântica da mitomania. 

As dores de consciência por apego à ética ficam reservadas para núpcias diferentes, as que são extrajogo. O jogo admite um parêntesis na ética da mentira, excecionada quando o palco é do jogo. Os jogadores só devem recear se o boato não impedir que se perca o jogo.

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