Em bandos, voando a velocidades vertiginosas, siam sobre os passeantes como bombardeiros convocados para confirmar o princípio geral do desassossego. As pessoas não se habituam a estes bandos de bandidos pássaros. Tremem de medo só de os saberem nas imediações da cidade, ciciando o medo que depois semeiam em alqueires de rebeldia. Ninguém os apanha. São protegidos pelas leis que protegem a natureza. As leis que se desimportam das pessoas, como se elas fossem adereços que estorvam o resto do mundo.
Os pássaros, não contentes com o princípio geral do desassossego que instalam, defecam sem critério sobre quem passa. Não precisam de ser meticulosos na mira: as ruas estão apinhadas, há sempre uma cabeça que serve de chão para os dejetos excretados pelos pássaros. As pessoas ficam indispostas. Há notícia de vestuário definitivamente danificado, tanta a corrosão das fezes dos pássaros que não metem travão no dolo.
Um grupo de rebeles cidadãos que se insurgiu contra a rebeldia da passarada irrefreável pôs-se de atalaia numa milícia indocumentada. Tem de ser assim: as leis não toleram quem importunar um ave destas e são severas para os que ceifarem vidas dos pássaros rebeldes. Clandestinamente, as milícias fizeram o seu caminho. Têm duas árduas empreitadas: dar luta sem quartel às aves falsamente canoras e esgueirar-se à perseguição montada pelas autoridades.
Aos poucos, a milícia foi ganhando popularidade. A cada dia que passava, e a cada dia que os milicianos divulgavam, em vídeos furtivos, as proezas na caça aos pássaros impertinentes, mais gente sussurrava o seu apoio. Os pássaros, intuindo a guerra estabelecida com os humanos que se escondiam atrás de máscaras (o resto do stock sempre teve serventia), tornavam-se mais expeditos na guerrilha aos humanos. Não se pressentia um final feliz para esta beligerância desatada.
Tempos depois, a cidade estava deserta. O armistício teve esse preço. Os humanos abandonaram o lugar com a promessa de realojamento noutros lugares. Foi o preço a pagar pela não importunação dos pássaros importunadores. Estes estavam, porém, desconsolados. Venceram a guerra, expulsando os humanos para longe da cidade. Estavam desconsolados porque já não tinham vítimas para as suas catilinárias. A expansão do seu domínio foi discutida em conciliábulo. Se expulsaram os humanos de uma cidade (um erro de diagnóstico: os humanos é que bateram em retirada), outras cidades limítrofes havia por conquistar.
A nova colonização seria dos pássaros. A menos que estivessem, sem darem conta, a exagerar no pressentimento e acabassem vítimas da ambição desmedida. Os humanos capitularam numa cidade. Mas não admitiam capitular em mais nenhum lugar. As armas ainda estavam do seu lado.
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