21.7.23

As raízes ressequidas foram atiradas contra a maré-viva e sobreviveram

Black Country, New Road, “Basketball Shoes” (live in Paris), in https://www.youtube.com/watch?v=cQtZaTjXUB8

Lamentavam que se banalize o mal – e o que era o mal? Uma viagem ao interior das banalizações podia conceder a resposta. Não era essa a função procurada. O estatuto que fermenta no bucolismo das utopias não transige com o modelo convencionado. Andam em linhas separadas, muitas vezes em sentidos opostos. Falam idiomas que não comunicam entre si.

Se as árvores do parque fossem inspecionadas, e dada a linhagem centenária de algumas delas, encontrar-se-iam raízes ressequidas. Delas se diriam serem um anátema, as bainhas da decadência deixadas à mostra, para que nada seja fingimento. É não saber nada de botânica. As raízes parecem ressequidas. Se algum conhecimento dos espécimes do parque for acrescentado, deixando à mostra a revelação de centenárias árvores, as raízes ressequidas sinalizam a decadência irremediável dessas árvores. E elas, puídas, mostram como já lhes custa respirar.

Precisávamos de um exercício especulativo (porque impossível): arrancar as raízes ressequidas das árvores centenárias e atirá-las sem dissimulação para uma maré-viva iracunda. Para se debaterem com as ondas engalfinhadas do mar, submergindo e depois emergindo como se estivessem a emitir um sonoro SOS que as resgatasse da agressão do mar. As raízes ressequidas estavam à mercê do mar iracundo; os observadores atentos concordavam que as raízes ressequidas estavam condenadas pela maré-viva.

Desenganados, os observadores afinal desatentos seriam convocados para a entronização da antítese dos seus prefácios. As raízes ressequidas não ficaram sepultadas nos despojos da maré-viva. Deram à costa, espalhadas pelo areal desarrumado, dando um contributo para a desarrumação. Por muito que se tivessem debatido com a água espasmódica do mar e tivessem ficado à mercê do salitre corrosivo, os que recolheram as raízes atestaram que continuavam ressequidas.

As raízes ressequidas ensinaram que há fingimentos necessários. Toda uma experiência que arrasta o tempo ido e que resiste às cicatrizes, às vezes tumulares, que o tempo desavisado engasta na pele frágil das pessoas.

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