27.7.23

Provocação (por vocação)

Everything But the Girl, “Noting Left To Lose”, in https://www.youtube.com/watch?v=M6QKZJeK-5w

No ante pé da dilação, uma marca de água como se fosse o timbre da pele: o princípio geral da provocação.

Dá-se asas à perplexidade quando é evocada a diplomacia metódica. Não se diga que a beligerância é preferível. Quem inventou os arsenais é o pior verdugo da espécie. Quem os continua a utilizar devia ser condenado a trabalhos forçados, despojado de identidade. A diplomacia metódica é o pretexto para não sermos interpelantes: devemos anuir nos postulados apresentados em favor da normalidade; se formos agentes incomodativos, nas constantes interrogações que desafiam os categóricos imperativos, teremos os agentes dos costumes à perna, a um passo curto de sermos atirados para o exílio. 

Por isso, provocação. Por vocação. Não como ato de crueldade. Não para desqualificar os que forem apanhados no meio do fogo cruzado de provocações. Até porque os agentes de provocação devem estar preparados para serem vítimas da provocação dos outros. Para dar corda a um labirinto de provocações, para gáudio das sinapses que se exercitam na melhor das ginásticas, a ginástica intelectual. 

Ser agente provocador não é amesquinhar os que são provocados. Não é um insulto. Não é escarnecê-los gratuitamente. É convidá-los a recusarem o arnês que aquiesce conforto em troca de obediência. Em troca de um lugar sossegado que não desafia tabus e convenções, que aceita a monotonia dos diálogos de surdos, que aposta no desfile de salamaleques e no hipócrita elogio do outro (quando, em privado, do outro se dizem as coisas piores). O agente provocador desmente o lugar consagrado à hipocrisia. Recusa o império de um pensamento dominante, temendo que seja transfigurado em pensamento único. O melhor critério para ditar a prescrição desses pensamentos deformadores é somar provocações – até, se preciso for, verter provocações em cima do próprio agente provocador, que se desafia a não aceitar a autocomplacência que o isentaria de ser sujeito a provocações.

É uma vocação que não aceita credenciais. Não é preciso tirar cursos para ser provocador. A vocação, como as outras vocações, sabe-se inata, fermentando por dentro das veias. Os que se entediam com a normalidade flagrante, encontram em si os rudimentos desta vocação. Para serem titulares da provocação, por vocação.

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