Têm-se em boa conta as epístolas que pressentem o porvir vitaminado. Ninguém gosta de dias sobressaltados, ou de quistos que impedem a lisura do dia. Ninguém gosta de atravessar as águas iracundas à mercê de uma tempestade. Os solavancos adiantam os enjoos encomendados às empreitadas vindouras. É preferível a bênção do mar que é um espelho de confiança.
Mas não sabemos da fibra do que espera. Uma didascália confunde-se com o oráculo de quem está seguro de si. Eram capazes de jurar que um mar meão não desafina. As certezas não podem ser travadas.
Assim se congeminam as piores tempestades – as que ninguém adivinha. A confiança no devir está abotoada às algemas que se legitimam nas possibilidades. Dizem: “nada pode correr mal”, mas não sabem do paradeiro dos que cogitam a adulteração do que era esperado. O naufrágio não estava no programa. Se estivesse, deixava de estar: quem se aparta da lucidez sabendo que o espera um naufrágio? O naufrágio não faz parte das possibilidades.
Só que o naufrágio não tem aviso de receção. Pode acontecer quando ainda ninguém deu conta que o navio já foi invadido e o mar pirata o condena-o ao naufrágio insalubre. O material não espera pela reparação. Depois já só conta a arqueologia. O sal entranhado na ferrugem, dando-lhe fermento. Um cemitério debaixo de água, um palco fantasmagórico, sem som, sem cor, sem palavras sublinhadas, nunca mais com nuvens para contemplar.
A destêmpera é corrosiva: a lucidez é assaltada e os dicionários ficam por conta do silêncio. A fita métrica está perdida. Os rostos, esquecidos. O olhar, refém de uma névoa que o embacia, apenas umas sombras que se combinam com as memórias que reclamam um lugar (antes que seja tarde). No lugar do naufrágio, a ferrugem é o hino hasteado. Não esperem que a lucidez que contraria o devir esteja de atalaia. O naufrágio não tem aviso prévio.
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