As amoras acordam com o pressentimento da manhã. Inspecionam o estertor da noite, querem saber se a noite apanhou por junto a métrica das almas hibernadas no sono. Estão à espera de ser colhidas. Sabem que vão ser colhidas.
A afirmação do efémero não as intimida. As amoras convenceram-se da sua efemeridade. Quando amadurecem e as pessoas fogem dos caminhos principais para saberem onde estão as amoras, elas sabem que atingiram o apogeu. É quando estão no apogeu que a efemeridade, tão implacável, desaba sobre as amoras. E elas não se amiseram.
Os grandes arquitetos ensinaram que as amoras são como as manhãs, santuários onde se congemina o período vespertino – onde, dizem as pessoas que não mantêm relações diplomáticas com a manhã, tudo começa a ser montado para ganhar significado. É como as amoras: são vistosas, os gomos carnudos e quanto mais negros mais pujantes na doçura e, todavia, enquanto são extremidades das ramagens são apenas bucólicas. Cumprem-se ao saberem que são a razão do êxtase de quem as consome. Esmagadas pelas bocas insaciáveis, oferecem uma tempestade de aromas.
As amoras, ensinadas pelos grandes arquitetos, não questionam a lição. Aceitam o papel para que foram criadas. Resignam-se a serem transformadas numa papa digerida pelas entranhas de quem as meter à boca. São como as manhãs. Para os boémios que habitam a noite, a manhã é um epílogo – mas esses andam em contramão, a maioria recebe a manhã como um lampejo que os extrai ao sono.
Os que não mantêm relações diplomáticas com a manhã acusam-na de vários delitos: interrupção do sono (o que, no caso de o sono ser trespassado por pesadelos, é um serviço público prestado pela manhã), desativação da preguiça, ativação dos sensores que anteveem o penoso dia de trabalho (no maior dos paradoxos: está na moda dizer que se trabalha para lá da conta – como medalha da importância do trabalho prestado – mas são grandes as celebrações que acompanham a sexta-feira e muitos os funerais que se anunciam à segunda-feira).
Sem a manhã, os pusilânimes não conseguem arrumar a tarde e, se for caso disso, a noite. As manhãs são como as amoras, na sua superior estética todavia não reconhecida. Só quando acabam é que lhes dão valor.
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