26.7.23

Subir para baixo sem ser o avesso de um pleonasmo (ou um recurso discursivo)

Anne Clark, “As Soon As I Get Home”, in https://www.youtube.com/watch?v=0MJWFztQwn8

Um passo atrás pode ser a tradução de dois passos em frente. Os números não se substituem à métrica que importa, a métrica da qualidade. Às vezes, a escada obriga a que seja descida, sem que ao descer os degraus se esteja a andar para trás. Só temos de saber aonde queremos chegar.

São as casas onde temos morada que configuram o tamanho dos números. Ao mudar de casa, a significação dos números pode não corresponder à esquadria da aritmética. Um pode ser maior do que dois. Quando um é maior do que dois, a qualidade vinga sobre a aritmética. Sopesam-se os fatores que importam: é preciso aferi-los para que o juízo não fracasse no logro da distorção. Sem essa lucidez, os viés podem ocupar o lugar desejado. É preferível ser sargento numa casa nobilitada a general noutra condenada à decadência.

Não é só pela decadência da casa de partida que os passos consequentes se movem. O raciocínio não obedece, como seu primeiro cais, a uma desconstrução. Como se fosse preciso encontrar argumentos alicerçados nas fundações puídas da casa de partida. Essa é a casa de partida. Um largo património que estrutura o passado, um património que não se renega; toda a ossatura foi sedimentada na casa de partida. Não são os incidentes que anulam a ossatura, nem a casa de partida como o lugar que a proporcionou. A memória não pode ser insultada desse modo. É a memória que cauciona o presente, que abre as portas para o futuro fundeado noutra morada.

Mais importante é saber da casa da chegada. Compará-la com a casa de partida. Saber que uma casa é vetusta não a torna atávica. A casa mais nova pode ser a casa envelhecida por estar tão puída, refém de um envelhecimento precoce, as teias de aranha a açambarcarem os alicerces dessa casa, arqueando-se sobre o dorso cansado dos seus habitantes. É como a lógica adulterada da aritmética: um é maior do que dois; o novo está obsoleto e o vetusto veste o vento fresco que logrou habitar as suas paredes.

Quando se dá um passo atrás ao povoar a casa de chegada, esse é um passo em frente. Por mais que um passo em frente na casa de partida estivesse contíguo, empreendê-lo seriam dois colossais passos atrás. Confirmando-se que é possível subir para baixo sem que isso traduza o avesso de um pleonasmo.

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