Não eram precisos telescópios para ler o horizonte: diz-se que é por lá que se entreabrem as portas que vão dar ao futuro, mas não acreditamos. Jogam-se os verbos no passado para dele extrair a linhagem do sal a ponto, antes de sabermos se ao cardamomo, ou a outra especiaria, vai pedir um extrato. Concordamos que somos os rostos que compõem as rosas sobrantes, deixando aos cemitérios o ar pesado de um lugar de vidas ausentes.
Atiramos o olhar furtivamente para o horizonte. Antes que o horizonte seja furtivo – como se isso fosse possível, ao estabelecermos que não é a carência de luz que anula o horizonte. Mas depressa andamos com os relógios na horizontal. Temos de caiar este tempo visível. Precisamos, nem que seja para fazer de conta, que ele se mantenha estoicamente vivo dentro de uma incubadora. E depois, inventamos a sua claridade. Como se nos dessem para as mãos uma paleta de cores e uma tela e nos coubesse emoldurar uma petição para um hino sem pátria ou uma terra que não precisa de bandeira hasteada. A voz que entoamos, una, toma de assalto a empreitada. Não conhecemos melhores procuradores.
Seremos nós os procuradores inteiros, os que dão margem aos rios que crescem de caudal, extinguindo o amarelecido das páginas só por elas passaram pelos nossos dedos. Juntamos as pedras maceradas que se arrastam no caminho. A nossa filigrana pede meças ao improvável. É o mundo lá fora que se importa com as nossas andanças. Dentro de nós, é o mundo que se transfigura em nómada. As estátuas já não são um ocaso.
Toda a claridade do dia traz em si o sangue de que somos apátridas. Juntamos os olhos na imensidão do dia, como se soubéssemos que o dia se estende por dentro da noite (sem ser junho). Somos cuidadores da paisagem que vem de frente até nós. Se fossem os rios a atravessar as pontes, todo o magma vindicado estaria por conta do acaso. Mas não é assim. Somos os faróis de onde procede a claridade, vulcões desassisados que se antepõem ao critério da razão.
Não queremos saber da razão. Não queremos ser aval de mentiras consagradas. Preferimos ser rebeldes com causa delimitada, a periferia sempre alargada para outras fronteiras, até que de nós irrompa o deslimite militante: o vulcão que dizem adormecido mas nós sabemos de atalaia.
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