Pelo meio das flores silvestres, um odor inconfundível. Um traço de trovoada feita de véspera, o crepúsculo tirado ao avesso, a neblina que faz rima com a manhã, um rasto de alguém que arroteou caminho pelo meio das urzes, fazendo do mapa campestre o exílio do anonimato.
Como os gatos, que são territoriais e lançam estandartes com a mediação de jatos de urina que são o aviso prévio para os rivais. Um território com tutor não admite concorrência. Os gatos deviam ser adorados pelos apóstatas dos mercados que assentam na livre concorrência. Sem saberem, os gatos constituíram-se paladinos de um marxismo tardio.
Não que interesse (a divagação teórica). Os gatos sabem da delimitação da sua coutada. Repelem os rivais, a menos que sejam derrotados e tenham de ser nómadas, partindo em demanda de outro paradeiro. Os gatos podiam ser a inspiração dos misantropos. Fica à consideração dos teóricos: os marxistas e os misantropos deviam ser uma comandita.
Mas isso também não interessa. As raízes não precisam de ser reviradas para se anestesiar o odor que um gato povoou. O aroma está ao alcance de humanas narinas – que se dirá das narinas mais sensíveis dos felídeos? Está por aferir o supremo egoísmo de cada gato que, amordaçado pelo sortilégio das hormonas, vive um sobressalto contínuo. Se não precisasse de uma coutada, não avivava a marcação do território para esconjurar os outros gatos que sejam concorrência. Vivem sozinhos (menos quando competem por uma fêmea no cio) e têm sete vidas. Nós, simples humanos, temos apenas uma e não ensimesmamos. Parece que a medida nos é desfavorável.
A (des)comparação pode atuar em nosso desfavor. Agiríamos como gatos se não fôssemos gregários. Agiríamos como gatos se não exorcizássemos a concorrência. Agiríamos como gatos se fôssemos marxistas? Não sabemos; não somos marxistas. Mas ficamos perto de sermos gatos quando em nós levita a pele tatuada de misantropia. Não queremos os outros, não queremos nada deles que não seja instrumental. Como em Sartre, os outros são o inferno – e os gatos esconjuram-nos com urina seletiva amealhada na sua coutada, já que nós reservamos a urina para as latrinas.
Ainda bem que não miamos. Os gatos não seriam o mesmo abismo.
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