Mote: “Quero é vida boa”.
Esse dinheiro vomita as entranhas e tu não consegues sentir as náuseas. Tu és o eufemismo de nauseabundo. Pudera que não sintas o odor pútrido que deixas atrás de ti: tens as mãos chumbadas por esse dinheiro podre. Pavoneias uma superioridade que só tu consegues medir. Desconta-se a hipótese de não teres aprendido um módico de cidadania na escola, ou de os teus pais (eles não são culpados por quem te tornaste) não terem sabido dar uma educação que permita distinguir o reprovável e o razoável.
Dizes, em confidência, que não queres saber de onde vem o dinheiro, o que tens de fazer para a ele ganhar direito, e muito menos se decaíste num crime que, a ser descoberto, merece punição severa. Não queres saber que outros haja que têm as mesmas aspirações e ficam à míngua, porque o mercado das sinecuras é restrito (como diz o povo: sete cães a um osso). Só queres saber como podes dar cumprimento às pretensões que foram sendo encavalitadas no armazém dos sonhos. Não te importas que te chamem burguês, que te censurem a vertigem consumista, o desejo por bens de luxo, o estatuto que passas a ostentar como um general alardeia comendas à lapela. Decidiste que viverias numa ilha em que só tu contas. Não queres saber que os correligionários instruam as massas sobre as virtudes da ética republicana. A ética republicana que seja cega, surda e muda para os teus prazeres dispendiosos.
No viés do tua míope forma de estar, só tu é que contas. Mesmo que tenhas de contar com alguns que sejam a caução para o descaminho que patrocinas. Sem esse descaminho, o dinheiro que chega às tuas mãos não é dinheiro que arde. Sem os outros que afivelam esse descaminho, tudo não passa de uma ilusão e tu, um pobre arrivista que renega as origens por só ambicionar olhar para cima. Nesse viés que se tornou teu grupo sanguíneo, admites que não terias a abundância, não te seria dado viver como um burguês afetado e cheio de maneirismos, se o dinheiro que financia os vícios não fosse dinheiro podre. Só sabes da existência de dinheiro podre. Já nem consegues imaginar o que será dinheiro que não arde nas tuas mãos. Desconheces que haja uma proporção tabelada entre meios e fins.
Insistes que não és caso único. Alguém contrapõe que os exemplos a seguir devem ser outros e tu acusa-lo de lirismo, advertes que este é um lugar aparentado com uma selva onde só os mais capazes é que sobrevivem. Não estranhas o silêncio do teu interlocutor. A incomensurável autoestima faz-te transbordar da imagem que tens de ti: o interlocutor ficou convencido com a tua retórica – murmuras em sinal de prazer. Nem percebes que te deixou a falar sozinho. Sozinho. É como arriscas ficar se os teus ardis forem apanhados no trânsito dos sacos onde se lava a roupa suja.
Nessa altura saberás o custo da solidão, pois já não tens umbigo para cultivar nem cumplicidades que atem reciprocamente os seus rabos de palha.
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