Ninguém precisa de virar a vida do avesso. Ninguém se pacifica se um mago jurar que o tempo tem prolongamento. (Os magos deviam ser presos por serem um logro maior do que o maior dos farsantes conhecidos.)
Regresso à casa da partida: ninguém precisa de virar a vida do avesso. Virada do avesso, ela adultera-se e não chega a ser tutelada por quem acredita que a virou do avesso. Sai da sua órbita – e ele ou ela perdem o inventário da vida. As muralhas do entendimento parecem absortas, perdidas no meio de um denso nevoeiro.
Às vezes, o desentendimento apoquenta a lucidez: tomam-se dores que não são e angústias ao desbarato são arrematadas com um estouvamento pária. Se estas fossem as consumições maiores, os engenheiros da alma estavam condenados à extinção. Outras vezes, o desassossego contínuo despedaça os tapetes em que serenamente as vidas eram conduzidas. O sangue desamestrado corre aos solavancos, ateando a carne contra um labirinto que parece desembarcado de um pesadelo mau. Às vezes, intuem a vida do avesso.
Todos eles, arreliados ou não, deviam sindicar o prolongamento da vida. Deviam cimentar a ideia de que o tempo dado é escasso. Quem fosse tutor do tempo seria desafiado a prolongá-lo em cada vida. Seria um ultraje aos condenados ao suicídio – dir-se-ia: eles são agredidos pelo tempo sempre abundante e julgam-no um acaso que torna uma vida intolerável.
Fora desse mundo agitado, adejam as vidas que não têm sede de angústia. As que souberam tirar as mordaças sobrepostas à mediação de engenheiros sociais e se tornaram extravagantes: as vidas que protestam contra a exiguidade do tempo. Elas estão sempre prontas a militar contra o fortuito. Aspiram a um prolongamento do que houve em memória futura. Até que sejam espelho esculpido pelas mãos próprias e fujam do contrabando ardilosamente encenado pelos impostores que sobem constantemente a palco.
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