“Não me venham com conclusões, que a única conclusão é a morte.” Fernando Pessoa
Atiram os escombros dos outros que invadem o olhar, o pensamento assim agredido. As vidas sem nome não têm respeito. Mercadejam-se contra desprincípios esgrimidos em nome de bandeiras e hinos, em nome de ardis, num xadrez mesquinho. Entre o respeitável simulacro dos mandantes e os escombros, um interminável cortejo de mortos. Os mortos que nunca contaram para nada, mesmo quando eram vivos.
É como se todos fossem centrifugados dentro de uma slot machine ludicamente jogada por farsantes que se movem nos corredores da adrenalina. As vidas atiradas contra as muralhas, arremessadas contra balas e morteiros, deixadas à mercê de algozes desapiedados. Vidas sem nomes, nomes atirados ao acaso numa roleta russa que as desfigura. Não há inocentes – a não ser as vidas que se albergam, desprotegidas, na mealha da slot machine e da vontade conciliadora dos seus mecenas. O sangue que as obrigam a derramar é um episódio da tinta convocada para verter os capítulos hediondos da humanidade. Muitas vezes, chama-lhe História. Melhor se diria, em conclusão mundana: desumanidade, História irrisória, ultrajante.
Os escombros também podem ser a peugada de uma exibição telúrica da natureza. Também arrasta vítimas, também inocentes. Mas não podemos invetivar o algoz desses escombros, a natureza que joga os seus sortilégios, ou deus, para os que assim quiserem arranjar expiação. Aos escombros ditados pela demência humana não há indiferença que possa dormir sem a companhia de pesadelos.
Devia-se congeminar um ato secreto de destruição das fábricas de slot machines. Só que as fábricas de beligerâncias nunca dormem, revezam-se por turnos para estarem de atalaia. Precisam de atear inimigos perenes. Se não for assim, um dia podem ser apanhados em falso e descobrem um inimigo não inventariado que veio atear as veias do terror e o sangue pútrido. Tornam-se eruditas na invenção de hostis, mesmo que não tenham rosto. Não podemos ser atraiçoados pela derisão da lucidez: antes que sejamos apeados pela ilógica de desumanidade, golpeamos as muralhas onde se escondem os estiradores que desenham a máquina deletéria de destruição. O Homem é o seu próprio lobo.
As slot machines despontam depois de dissipado o véu que fingia a lucidez. Um mapa de destruição, edificados desfeitos em escombros que são a natureza morta que dispensa metáforas. O cimento volta a ser pó. As bestas, nunca deixaram de ser animais desanimados que se embriagam com a coreografia da morte. E nós, voltamos a ser passado, dele reféns.
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