5.10.23

Oposição à oposição

Sorry, “Key to the City”, in https://www.youtube.com/watch?v=uF7GaqwEUVw

Sabiam que o silêncio sobre os oponentes podia ser a caução da sua oposição. O silêncio exercia-se como espada do consentimento: ao nada contraporem à arguição dos oponentes, davam-lhes chancela. Como se o silêncio fosse uma rima com os que se situavam do outro lado da trincheira. 

A tribalização da rivalidade não consentia essa apatia. Todos sabiam que tudo era reduzido a duas fações (nós e eles, os nossos oponentes), mesmo que alguns peritos, ainda ungidos de uma dose seráfica de paciência, explicassem que a constelação de posições se inclinava para a pluralidade. As energias eram depositadas na recusa dos oponentes. Em vez de se fazerem à vida para a empreitada esperada de quem tinha sido escolhido por uma maioria, dedicavam-se a contrariar quem os contrariava. 

Do lado de fora, ninguém percebia que ser oposição à oposição tinha um significado todavia menosprezado: era como se houvesse um direito legítimo (dir-se-ia, divino) à perpetuação no poder, a oposição esvaziada pela oposição que, com esta oposição sistemática à oposição, a esventrava. Insinuados os laivos de totalitarismo por dentro da democracia, o apuro da oposição à oposição esvaziava as probabilidades de a oposição trocar de lugar com quem lhe fazia tanta oposição.

A perícia da oposição à oposição distraía os desatentos. Julgavam que tudo se limitava a uns jogos florentinos em que se distinguiam personagens eivadas de retórica gongórica, desprovida de substância, que se entretinham com as fraciúnculas da tática e ignoravam a diligência da estratégia. Os incautos não davam conta que ao ser gasto tempo com a oposição à oposição eram desviados recursos da incumbência que estava selada no contrato que legitimava a posse do poder. Parecia que o poder existia para impedir a oposição de ser poder. O resto era acessório. E o resto eram as funções esperadas de quem é investido de cuidar dos males da comunidade e de a dirigir para um futuro animador.

A oposição à oposição era bizarra porque a oposição estava trespassada por traços contínuos de fragilidade. Se era fraca a oposição, a insistência na oposição à oposição era a prova da mediocridade que atravessa a oposição e quem, por dentro das sinecuras mandantes, se opõe à oposição em vez do tomar o leme deixado aos cuidados da errância. 

E os pânditas locais, distraídos com o princípio geral de frivolidade, eram os procuradores maiores deste estado vegetativo que vestia o território. Pelo caminho que o tempo fizera, outros que dantes estavam atrás nas várias escaldas medidoras passaram à frente. E a oposição à oposição mete uma máscara teatral e, enquanto não se entretém a ser oposição à oposição, conta farsas sobre o estado em que estamos.  

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