Death in Vegas, “Aisha”, in https://www.youtube.com/watch?v=ExLqMBLyWd8
Uma colónia de misantropos fundou uma des-sociedade. Não queriam o óbito da franquia celebrada, mas não se reviam nela. Queriam ter o direito de não terem direitos; recusavam o direito de admissão no grupo estabelecido. Queriam que os deixassem ser patronos da sua própria orfandade.
A des-sociedade seria uma sociedade esvaziada por dentro. Uma despertença, por mais pretensioso que pudesse parecer. A sociedade impecavelmente organizada podia ficar sossegada: os membros da des-sociedade não se propunham liquidar a sociedade legítima, a formação de um grupo rival não estava nas suas intenções. Nem eram um grupo coeso – como bons samaritanos da misantropia, não falavam uns com os outros, não conspiravam, como grupo, contra os costumes estabelecidos.
Os misantropos não tiveram paz por muito tempo. Os procuradores da normalidade não descansaram enquanto não deram caça aos arquitetos da des-sociedade. Não quiseram compreender as suas intenções. Não aceitavam que houvesse gente tresmalhada. Essa era uma liberdade que não aceitavam. Uma vez que estavam integrados no grupo, não podiam aspirar à exclusão. A orfandade contrariava a pertença. Os procuradores da normalidade não podiam legitimar a franquia da despertença.
Os misantropos falaram uns com os outros, pela primeira vez. Não se conformavam com a exibição de poder dos tutores dos costumes estabelecidos. Protestaram contra o contrassenso da injunção. Alegaram a contradição de termos: os defensores da liberdade não a podem reprimir, nem que se sirvam de pretextos como os esgrimidos contra os confrades da des-sociedade. Estes não exigiam nada do grupo a que não queriam pertencer. A não ser que reconhecessem o direito de não serem reconhecidos como membros do grupo.
Um tribunal foi chamado a ajuizar o embargo dos confrades da des-sociedade. Sem embargo do direito à liberdade, os juízes ajuizaram que a restrição última é a intenção de despertença. O grupo não pode aceitar a orfandade dos que peticionam a sua exclusão. Temem pelo seu isolamento, pela marginalização que os desprotege. Os misantropos aprenderam que a sua liberdade termina quando exercem o direito a serem misantropos. São membros à força.
Ao tribunal, só faltou erradicar a misantropia e explicar – como quem é perito em atirar areia para os olhos – que o faria em nome da liberdade.
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