1.4.24

O fermento das imagens

Kiasmos, “Flown”, in https://www.youtube.com/watch?v=hRlSzKWasQ0

Tira as algemas dos olhos que impedem que a manhã se emoldure no horizonte. É preciso que amanheçam, imagens e manhã, no palco uníssono onde se amestram as palavras oriente. As mordaças eternizam a noite, deixam-te sem a fala que queres congeminar: se te levarem à mudez, a fala silenciada impede que sejam tuas as palavras que se oferecem como manual de intenções.

As imagens sobrepõem-se ao passarem pelo crivo da tempestade cerebral. Sucedem-se tão depressa que não as consegues domar. Ficas descontente com o esbanjamento. Convencido que irás inventar um ardil para nenhuma imagem ficar à margem da manobra, tornas-te inventor. Inventaste o fermento das imagens.

Agora não te angustias nos dias consecutivos em que sentias que o desperdício de imagens era a prova das tuas limitações. Havia quem te dissesse que os outros também precisavam do fermento das imagens para não te sobressaltares com a incapacidade para vazar todas as imagens que passam diante do olhar. Não te convences com a generosidade. O único cimento que interessa é aquele que usas interiormente, até que o olhar se desloque a uma velocidade supersónica e nenhuma imagem seja discriminada.

O fermento das imagens acelera a capacidade de processamento. Deixas a opacidade à porta, para que se meneie no lutuoso desprendimento das forças mortas que projetam um manto lúgubre sobre o dia constante. Em vez das armas que sujeitam o tempo a um paradeiro incerto, as imagens são processadas sob a intendência de uma voz sem sono, como se fosse preciso todo o tempo disponível para desalfandegar o olhar das imagens que o querem colonizar. 

O fermento das imagens pode ser ilegalizado. Os poderes não toleram gente tão diligente, gente tão, afinal, instruída. Os cortesãos amputados dizem adeus aos faraós que prometem malvasia e iguarias distinguidas (um eufemismo do ardil). Os poderes temem os que tomaram o fermento das imagens: não há melhor sindicância a que se possam sujeitar. E isso é o pior que (lhes) pode acontecer. 

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