10.4.24

Não se diga ao cabeçudo para não ser cabeçudo

Hole, “Malibu”, in https://www.youtube.com/watch?v=v0CYB5V9e64

Não é anátema: ele há cabeças grandes, sem ser na expressão literal, a expressão de uma cabeçorra descomunal – a estes também se chama cabeçudos por causa do diâmetro excessivo da cabeça. Há outros, metafóricos, cabeçudos. Os teimosos militantes que arroteiam a teimosia até ao limite, porque preferem despenhar-se no abismo a dar o braço a torcer. 

Os cabeçudos tais já embolsaram a sua pessoal cátedra. Ninguém sabe mais do que eles, ninguém é tão visionário, ninguém tem o passado tão diligentemente inventariado, ninguém tem tão alta perspicácia, ninguém conseguiu tutelar tão invejáveis proezas, ninguém é tão improvável e singular. O cabeçudo não é nada do anteriormente enunciado e, porém, insiste na megalomania e na mentira enredosa. Por dentro do cabeçudo, a realidade navega numa maré que não existe no seu exterior. 

O tamanho da cabeça do cabeçudo é inversamente proporcional à massa cinzenta que hospeda. De tão néscias personagens não se diga que são albergues de sapiência, ou de bom-senso (à falta da anterior) que os safe da risibilidade. Há muito espaço livre na combinação entre o perímetro craniano e a massa cinzenta que nele encontra moradia. A desproporção materializa um espelho virado do avesso: o cabeçudo é tudo, e por exata medida, do contrário do que supõe ser.

Às vezes diz-se, em tom admirativo, “aquele(a) é uma cabeça” (leva sempre ponto de exclamação no final da oração). Até pode ser uma cabeça pequenina, com elevada concentração de cérebro e sua diligente utilização. Estes é que deviam ser os cabeçudos, pois são as cabeças grandes que congeminam o pensamento maior. Emblemas do pensamento concentrado (é o que são). O povo, na diatribe que o suga por dentro, não deu conta da ordem dos fatores autêntica na expressão idiomática que consagrou. Não é cabeçudo o apedeuta que transforma ilusões em realidade. Seria o letrado, o erudito, o adiantado mental que deixa os outros extasiados com tão notável inteligência. Seria, se o povo o reconhecesse.

Este é que devia ser elevado ao púlpito dos cabeçudos. Seria preciso, a título prévio, que a palavra fosse esvaziada do peso pejorativo que arca. Só então, os iluminados que se distinguem como escol aceitariam ser entronizados como cabeçudos.

Só uns cabeçudos é que insistem chamar cabeçudos aos que não são.

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