Explosions in the Sky, “Postcard 1952” (live at David Letterman), in https://www.youtube.com/watch?v=kXQd4MJG16U
As árvores entrançadas, numa trama difícil de esmoutar, apresentam o palco residente. O som parece aturdido pela humidade que conspira com o calor, como se a subida a palco começasse a extinguir o ar que entra nos pulmões. Os sentidos vão a caminho da anestesia (ou assim parece). Um caleidoscópio de labirintos desce sobre o palco. É preciso escolher um. Ao acaso, porque todos parecem iguais.
O labirinto escolhido amplia a inexatidão dos sentidos. As paredes do labirinto fogem ao tato. O chão está constantemente escorregadio. As palavras murmuradas ecoam por todo o lado, parece que há vultos escondidos a povoar o sobressalto. O caminho é feito de armadilhas: espelhos virados do avesso, máscaras que parecem pessoas disformes, palavras que soam a idiomas ininteligíveis, gritos lancinantes desenhados nas paredes do labirinto, o esvaziamento do tempo (há um relógio com os ponteiros quebrados; a lucidez, se a houvesse, diria tratar-se de uma anomalia do relógio, não do tempo).
De repente, uma janela abre-se e deixa ver uma estrada que dá acesso a uma praia. Num repentismo, salta a janela e exila-se do labirinto. O vento fresco quadra com a liberdade resgatada. Ninguém lhe contou que teve de terçar lutas com feras iracundas para sobreviver no labirinto. Talvez seja a razão para algumas cicatrizes que apura no rosto, nos braços, nas mãos. O vento passa a uivar, também iracundo. O vento traz em si todos os medos colhidos à passagem pelos lugares antecedentes. Sente o peso de todos esses medos. Mas não se intimida. Os medos não o têm como paradeiro. Ele é procurador do desmedo.
A descida abrupta dá acesso à praia exígua, numa falésia que se deita sobre o mar. O vento arrefeceu a sua fúria. Abrigado pelos contrafortes da falésia, é como se tivesse emagrecido, tanto o peso que o arqueava quando lutava contra o vento e que agora deixou de carregar. O mar escolheu a sua cor preferida. Esbraceja umas leves ondas, a querer comunicar com ele. Detém-se à frente do mar, meticulosamente contando as ondas entre a chegada e quando apetecer deixar a praia. Perdeu-se nas contas. Adormeceu, a crer na noite que já ia funda.
Não soube se o sono inventariou os sonhos desarrumados na sucessão de palcos caóticos. A crer nas cicatrizes tatuadas no corpo, a caçada tinha sido intrépida. Às vezes, no colóquio da sobrevivência, ou se mata ou se é morto. Outras vezes, limitamo-nos a observar os adversários.
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