Paramore, “Thick Skull”, in https://www.youtube.com/watch?v=n-3_3fWC1vg
Que pena, o satélite caiu. Já não temos inveja dele. Já não está arqueado sobre nós e não olha com a sobranceria de quem tem vistas privilegiadas sobre o planeta, como o consegue contemplar à distância de um miradouro privilegiado.
O satélite desintegrou-se quando entrou na atmosfera terrestre. Podia-se sentenciar o desfado do satélite: ele que usufruiu, por uma temporada demorada, de vistas invejáveis do planeta, assim que nele entrou ficou sujeito à inveja do planeta que o consumiu, deixando-o em forma de archote. Podia-se estender a sentença: o planeta gostava de sair dos seus pés para se ver de fora de si mesmo. Há muitas pessoas que são acometidas pela mesma angústia.
Os engenheiros que eram os pilotos remotos do satélite diligenciaram um estertor sem danos em vidas e bens. As vidas e os bens (por esta ordem, ó neoliberais!) vão sempre à frente no ranking das preocupações. Quando é preciso fazer arredondamentos, as vidas e os haveres são palavras maiores. Não podem ficar a perder para outros fins, nem ser sacrificados numa estulta coreografia de meios que se antepõe aos fins.
Os engenheiros que pilotavam o satélite à distância deitaram-se com a consciência absolvida. Não podiam fazer melhor. O pobre satélite estava condenado. Os satélites também prescrevem, como as vidas das pessoas prescrevem quando atingem o prazo de validade e a morte tem precedência sobre o demais. Os engenheiros aeroespaciais deviam ter aprendido com a frieza dos médicos. Estes nunca se comovem com a extinção de um paciente.
Antes de um engenheiro se deitar, a consorte perguntou onde caiu o satélite e se não era possível recuperar os despojos. O engenheiro retorquiu com a localização. “E os restos, não os podem recuperar?”, insistiu ela. O engenheiro teorizou, com a paciência de um lente e a mesma linhagem pedagógica, que ao entrar na atmosfera terrestre a fricção e a velocidade de entrada no planeta condenam o engenho à desintegração. O satélite fica feito em cinzas, que foram cair num lugar remoto entre o Índico e o Antártico.
“Ainda bem”, disse ela, antes de descansar a cabeça na almofada. “O planeta sabe ser justiça divina. Ele não podia aceitar que um objeto que gravitou na sua órbita pudesse matar vidas e destruir posses.” E o engenheiro aeroespacial caiu num sonho mirífico de quem se sabe recompensado sem, todavia, poder reivindicar as loas.
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