The Smiths, “There Is a Light That Never Goes Out”, in https://www.youtube.com/watch?v=C6vsTkKPq8s
Muita gente acordada pela noite fora e não era por causa da boémia. Anunciada a lua azul – das notícias: a maior lua azul dos últimos anos e dos próximos –, indefetíveis e apenas curiosos mantiveram-se acordados e de olhar assestado ao céu. Esperavam que a neblina noturna se dissipasse, ela que parecia ter conspirado contra a atalaia dos peritos e dos apenas curiosos, perfilados à espera da revelação do fenómeno. Antes isso do que ver filmes ridiculamente românticos, prosperar no estudo da beligerância em curso, esconjurar fantasmas com recurso à superstição, ou apenas a entrega à modorra espaçada entre o nada fazer e a repetição da atividade anterior. E a neblina, persistente, continuava a embaciar o céu. Por este andar, a lua era de cor nenhuma, sitiada no avesso das nuvens que entristeciam os simplesmente curiosos e os devotos da matéria. Os mais inquietos procuravam meios alternativos de espreitar a lua azul: havia quem transmitisse ao vivo de outros lugares não contaminados pelas nuvens conspirativas. Viam, por interposta lente, uma lua azul. Ao início desconfiaram se a cor da lua não estava adulterada: em vez do azul, as imagens reproduziam uma lua trespassada pelo cor-de-laranja. Os apenas curiosos começaram a desconfiar que a lua azul era uma farsa (“como se pode chamar azul a algo que é manifestamente cor-de-laranja?”). Começaram a desmobilizar, os simplesmente curiosos, pouco faltando para acusarem a encenação, imputando-lhe desonestidade intelectual – e bradaram aos céus, que de cientistas estabelecidos não se admite desonestidade intelectual. Os que adiaram o sono por meia hora puderam confirmar ao vivo que a lua azul sempre era cor-de-laranja. A neblina extinguiu-se a tempo. Não protestaram contra a confusão cromática que tomou conta da lua. Anestesiados pelo sortilégio, foram condescendentes: “o Mar Vermelho também não é vermelho”, aquiesceram.
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