12.8.24

O eleitor que fez a diferença

Max Richter, “Late and Soon”, in https://www.youtube.com/watch?v=PaWQOUGjXXc

Era uma freguesia pequena – 80 eleitores. 

(Antes de uma relva daninha ter inventado uma reforma das freguesias que ditou a aglutinação de freguesias pequenas num todo maior.)

Na eleição local, o partido A teve vinte e quatro votos e o partido B vinte e três. Vinte eleitores não participaram na eleição. O presidente da junta cessante perdeu a reeleição por um voto. 

No dia seguinte, em conversa sobre a atualidade da véspera, falou-se de eleições. A funcionária do hotel, que estava de plantão no dia das eleições e não foi a tempo de se inscrever no voto antecipado, estava convencida que ia pertencer ao contingente da abstenção. Não era a sua vontade: apesar de não se interessar pela “política”, nunca faltou a um ato eleitoral (tirando aquela vez em que foi de lua-de-mel e ainda não havia voto antecipado). À última hora, conseguiu sair mais cedo do hotel. Como o trânsito estava de feição, chegou à aldeia três minutos antes do encerramento das mesas de voto.  Foi a última eleitora admitida a voto. 

(Quando saiu da mesa de voto, cruzou-se com um vizinho estroina, acabado de acordar, que se apressou a entrar na escola. Já passavam dois minutos das dezanove horas, foi atirado para o número dos abstencionistas.)

A contagem dos votos foi excitante. Era um voto para o partido A, outro para o partido B, depois mais outro para este partido e um voto mais para o partido A, intercalando um ou outro voto nas outras listas a concurso. À medida que os votos foram contados, nenhum dos partidos teve mais do que um voto do que o rival. Faltavam dois boletins de voto para o apuramento dos resultados. O partido A e o partido B estavam empatados. O primeiro voto contou como nulo: depois de muita discussão entre os delegados da mesa de voto e os representantes das listas, não era possível validar aquele voto que seria no partido B: a cruz, trémula, mal cabia dentro da quadrícula. O último voto foi contabilizado a favor do partido A. Foi o voto que desempatou. O voto que validou a vitória deste partido.

Faltava saber se os votos foram apurados por ordem de colocação na urna, ou se foram baralhados, como quem prepara um jogo de cartas, antes de ser aberta a urna. Ninguém o confidenciou. Ficou por saber se foi o voto da funcionária do hotel que desempatou a eleição. 

Especulou-se, na mesa do café, quando ela disse que votou três minutos antes do encerramento da mesa de voto e que ninguém foi admitido a votar depois. Os outros tentaram saber em que votou. Ela não se descaiu. Os outros continuaram a especular: foi o voto dela que desempatou a eleição. Ela sorriu, envergonhadamente, deixando vir ao de cima um ligeiro corar. Eles reforçaram a convicção. Um deles lembrou-se: “o presidente da junta [que perdeu a eleição]não aprovou o teu pedido para construção do anexo da casa...”

Foi o voto dela que contou. Os outros votos foram todos inúteis.

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