Indignu, “Santa Helena”, in https://www.youtube.com/watch?v=aQj2guLndpY
Pelo rumor da noite, os gatos conspiram contra o silêncio enquanto bulham pelo território dominante. O sono leve inquieta-se com os miados desbragados dos gatos beligerantes. O sono exilado desassossega os que foram acordados pela estridência do esgrima felino. Não conseguem reatar o sono. E a noite que devia ser dedicada ao sono ainda vai a meio. Os lençóis começam a ficar remexidos de tantas voltas na cama. A noite ainda vai a meio: é cedo para sair da cama, mas o sono exilado não ajuda a domar o desassossego. Levanta-se e vai à janela na companhia de uma chávena de chá. Se ao menos conseguisse ver os gatos que o acordaram; não era para liquidar a vingança, que não concebe a violência nos gatos: era só para saber quem o retirou do sono. Mas a noite estorva a visão. Apenas consegue ver a penumbra que invade o campo de visão, as silhuetas das árvores e dos arbustos, os bancos do jardim mais ao longe, a colina que começa a descer até ao lago artificial. De gatos, nem movimentos furtivos, típicos dos gatos que deambulam na solidão da noite. Pois os gatos não são gregários, como provam as constantes bulhas pela soberania do território (e pelas gatas residentes). As achas do pensamento estavam por todo o lado, incensando a sala que se escondia da penumbra exterior. Ligou a televisão e enfiou-se no sofá, enquanto o dedo indicador deslizava pela tecla do comando num zapping desinteressado. Adormeceu. A sonhar com as querelas desexemplares dos humanos, que não têm legitimidade para censurar as desinteligências dos gatos. A meio do sono, acordou outra vez sobressaltado: era o seu gato a massajá-lo com os dedos peludos, a adivinhar os pesadelos com outros gatos. Afinal, eles são mais territoriais do que se pensa.
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