28.8.24

O homem que comprava sempre sapatos pequenos (short stories #463)

Mysterines, “Skin Ya Teeth”, in https://www.youtube.com/watch?v=ema3-It1nvk

          Houve um primeiro-ministro de um país que, traumatizado pela baixa estatura, e talvez por imaginar que a grandeza (perdida) da pátria exigia um estadista à altura, se fez fotografar montado nuns sapatos que não disfarçavam um leve tacão alto que tinha o condão de disfarçar a baixeza (sem segundos sentidos) do estadista. O introito pôs-se a jeito de um lugar-comum: os homens (e as mulheres também) não se medem aos palmos. Arregaçar os calcanhares para parecer mais alto é uma farsa. Não são aqueles centímetros propulsionados pelo tacão extemporâneo que trazem grandeza (é de estatura que se continua a tratar) a uma personagem. Nem que se arrematasse o caminho da metáforas, ou de outras figuras de estilo que compensassem a baixa estatura do estadista, ele deixava de ser estadista. Não foi a tempo, o estadista, de se preocupar com o essencial, enredado pela farsa do fingimento presente na ênfase às coisas tão acessórias. Havia outra teoria (portanto, alternativa): o estadista não estava preocupado em “estaduar”, a sua grande vergonha era aparecer nas cerimónias públicas na companhia da consorte, uma cantora afamada, que estacionava alguns centímetros acima dele. A pose marialva e o pundonor da personagem cuidavam do demais. Em vez de se perder com rituais espúrios, convencido que anestesiava os súbditos, o estadista foi apanhado a caçar um sapato que tinha um número acima da sua medida. Afinal, tinham sido todos enganados pelas aparências. O homem que aparentava calçar sempre sapatos pequenos foi acometido por outra, desta vez muito material, mania das grandezas. Saiu derrotado nas urnas onde se contam os votos. E depois, humilhado por ostentar uns sapatos afinal acima do tamanho dos seus pés. Um pouco como aquelas figuras circenses que se atrapalham a si mesmas ao caminharem em cima de sapatos descomunais. Só lhe faltava o pompom vermelho em forma de nariz do seu antecessor, quando encenou a rábula de um entregador de pizas para visitar a amante ao domicílio. 

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