The Cure, “Charlotte Sometimes”, in https://www.youtube.com/watch?v=4KeII31qyck
Disse ao paradoxo para não ser teimoso. As contradições só aleijavam os outros. Não tutelava contradições (nem aceitava que o acusassem de incoerência). A partir do momento em que se contradizia, a contradição deixava de ser: a segunda proclamação contrariava a primeira: a segunda destronava a primeira, datada e inválida. Não era um ardil retórico. Nem fugia das contradições internas e que a teimosia impedia de confessar, para não estar à mercê dos libelos acusatórios dos que estão de atalaia às incoerências dos outros. Em sua defesa, invocava o princípio da mudança de posição sobre os temas que subiam a palco. E perguntava, devolvendo o opróbrio aos que se apressavam a destutelar a sua coerência: quem nunca tinha mudado de ideias? Era assíduo na mudança de ideias e nas impressões que, depois de serem primeiras, ganhavam credenciais quando amadureciam e deixavam de ser primeiras impressões. Costumava dizer que as primeiras impressões são efémeras, não costumam triunfar no presépio onde fermentam as impressões concorrentes. Só os inocentes, ou os dogmáticos, é que abraçavam as mesmas ideias e não aceitavam que elas pudessem mudar. Incoerentes – e não havia mal nenhum na incoerência – são os eternamente fieis às ideias que são insuscetíveis de mudança. Por isso determinou que as ideias vagueiam em lugar incerto, pousam em diferentes cais que são chamados pelos tempos diferentes, as circunstâncias diferentes, as pessoas diferentes que se atravessam na vida de alguém. O que pertence a um lugar incerto não transige com o anátema da certeza, com a impertinência própria dos que se assenhoreiam da rigidez que trespassa os diferentes tempos. Aceitar o lugar incerto das ideias era o crivo certo para lidar com o devir também ele incerto. Se no lugar incerto vingassem paradoxos não era como despovoar a lisura da alma.
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