26.8.24

Pólen (short stories #461)

Tindersticks, “Always a Stranger”, in https://www.youtube.com/watch?v=k5Cn17azjaA

          Os tufos caramelizados pendem sobre as mãos, que já não perseguem o dia sozinhas. Um vago aroma prende-se às nuvens avulsas que parecem roubar um pedaço de futuro, tão belo se apresenta o quadro sentado sobre os alicerces dos céu. As palavras soam a música. A música é parente da poesia. Umas vagas partículas dançam sob os auspícios do vento, que ora abranda, ora acelera, sem respirar formalismos. A pele vetusta ordena-se contra a ditadura do tempo. Vozes contundentes desenham as sílabas, as palavras são obra de arquitetos debruçados sobre os estiradores, contemplando uma paisagem inspiradora. O entardecer deixou de ser sinónimo de angústia; deixou de ser o prelúdio de uma noite assustadoramente silenciosa, cúmplice da solidão cadavérica. Agora o entardecer é apenas uma estrofe que se antecipa ao brilho do olhar. O dia já não fica viúvo quando o relógio se aproxima da meia-noite. Até pela noite tudo é polinizado, mesmo que muitas sejam as pessoas que ficaram reféns do sono. Também o sono deixou de ser a pátria onde se soergue a angústia; é por dentro dele que gravitam os sonhos, e nem todos são pesadelos que parecem tsunamis que arrasam tudo. Esses sonhos beneméritos são ateados pelo pólen açambarcado ao mel escondido sob o olhar diligente dos almocreves. As cruzes ensinam o peito a ser obediente – era nesta frase carregada de luto, carregada de obediência sem critério, que se desfazia o futuro nos escombros do passado. Mas agora é agora. A terra do mel que não precisa de abelhas, do pólen colhido por operários sem filiação. O miradouro nasce das mãos incansáveis. Os dedos volteiam, desenham palavras avulsas na tela ao acaso firmada no céu. Só eles sabem o que escrevem. É segredo. Um segredo que extingue a desconfiança no tempo que urge avançar. 

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