Gorillaz ft. De La Soul, “Feel Good Inc” (live on Lettermann), in https://www.youtube.com/watch?v=WIZW4SGVbhA
Não podiam ser capciosos – diziam, mais como autoindulgência do que como gesto genuíno: as outras gentes não eram assim tão diferentes; se fossem passar a pente fino, os grupos sanguíneos seriam prova de consanguinidade, as ossaturas teriam idênticos teores de cálcio, e as bocas, apesar de falarem idiomas diferentes, obedeciam ao mesmo receituário nos manuais de anatomia. Os outros eram uma dádiva. Antes de eles serem tantos que parecem em maior número, o lugar vegetava numa promessa de decadência. Dizia-se que foram as gentes das outras terras que salvaram o lugar da decadência – uma promessa incumprida e que paradoxalmente saciou as vontades locais. A favor das gentes das outras terras concorria a memória não distante: os antepassados das gentes locais tinham sido forasteiros em lugares distantes para onde viajaram em permanência. Não podiam ser cultores da dissidência de juízos. O que tinha sido reclamado a favor dos antepassados nos lugares onde foram forasteiros tinha de ser aplicado a favor das gentes das outras terras que vinham com sede de conhecimento do lugar. Era a vez das gentes deste lugar serem cosmopolitas. Era seu o imperativo da hospitalidade. Quer a favor das gentes das outras terras que escolheram este lugar para fugir da miséria, quer a favor das gentes de outras terras que apenas usavam o lúdico direito de conhecerem terras diferentes das suas. Alguns nativos usavam diferentes medidas para apurarem a reação. Eram tolerantes com as gentes de outras terras que eram visitante efémeros. Desconfiavam das gentes de outras terras que queriam ser afins aos nativos; alguns exerciam indisfarçável xenofobia, rechaçando-os com atávicas palavras de ordem. No primeiro caso, disfarçavam a estranheza do outro porque ele contribuía para a economia local. No segundo caso, deixavam vir à superfície a estultícia da vacina contra o outro.
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