23.8.24

Banalidades sobre o futuro (os lugares-comuns da política)

The Liminãnas, “Je M’en Vais”, in https://www.youtube.com/watch?v=5dKhkCjqt-A

É recorrente: anúncios de grandes obras públicas, quase sempre infraestruturas, acompanhados por uma comunicação que explica como estão ao serviço de um futuro melhor. Como se fosse preciso convencer o público – que paga uma parte considerável dessas obras através dos impostos que paga – que as infraestruturas vão mudar a sua vida e para melhor. A comunicação assenta numa mensagem pueril: estamos a construir esta infraestrutura para o bem do seu bem-estar futuro, caro contribuinte, caso ainda não tenha dado conta. 

A comunicação assim concebida é uma redundância. Quando um perito em comunicação contratado pelos poderes públicos precisa de explicar que a obra pública está pensada para que o futuro seja melhor, dá a impressão que está a infantilizar o destinatário (aquele que paga a obra com os seus impostos, descontado o habitual subsídio da União Europeia). Passa pela cabeça de alguém que uma obra pública, desde as pequenas obras até aos grandes projetos, seja pensada para piorar o futuro? A retórica do futuro melhor associada às políticas públicas devia estar fora do radar dos peritos de comunicação avençados dos poderes públicos. Cabe na cabeça de alguém que um mandante tome decisões com o propósito de piorar o futuro?

O futuro melhor é uma tautologia, se partirmos do pressuposto que o cidadão-contribuinte aceita outro pressuposto: quem governa e toma decisões para o futuro quer legar um futuro melhor aos cidadãos-contribuintes. Pensar o contrário é um contrassenso. O cidadão-contribuinte pode discordar dos efeitos previstos pelo mandante, pode até imputar-lhe uma overdose de incompetência – o resto está por conta do subjetivismo da análise. Por mais que o cidadão-contribuinte esteja nos antípodas do mandante, não duvida que o mandante é procurador de um futuro melhor, mesmo que discorde que os efeitos previsíveis da sua ação correspondam a esse futuro radioso.

Explicar, como se estivesse a explicar o bê-á-bá às criancinhas, que esta ou aquela obra estão destinadas a melhorar o futuro das gerações atuais e futuras, é como se fosse necessário ao meteorologista explicar que as pessoas devem levar o guarda-chuva porque se prevê que o dia seguinte seja passado a chuva. 

O recurso ao lugar-comum contamina a comunicação política. O cidadão-contribuinte não é uma criança que precisa de explicações básicas sobre o básico dos efeitos esperados de uma obra pública. Nem é tão distraído que se justifique o recurso reiterado à trivialidade do futuro melhor. Os gurus da comunicação podem virar a página, deixando de lado a lógica de um futuro melhor. O óbvio não precisa de explicação.

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