16.11.17

Quinta-feira

Toulouse, “Paloma”, in https://www.youtube.com/watch?v=hYD9f-q6OJM    
Nove horas e catorze minutos. O sol teimoso. Quase não há vento. Folhas, em decadência. O outono ardiloso. Gente a chegar. No passo vagaroso, que o tempo não tem de se apressar. Uma carrinha faz a entrega de uma encomenda (correção: quem entrega a encomenda é o condutor da carrinha). Ouve-se falar idioma estrangeiro, ininteligível. Uma rapariga passa com uma mochila às costas – dir-se-ia, mais pesada do que o seu franzino corpo. As mulheres de limpeza deixam o serviço, depois da faina madrugadora. Falam, estridentemente. No patamar do primeiro andar, uma rapariga está com a cabeça deitada na mesa, ensonada. Começa o ruído. Vem aí o dia. A destempo.
Trapezista. Há um certo sabor a malogro. A incapacidade para correr no mesmo sentido do sangue que corre nas veias. Uma teimosia, vertida no fio fino onde o trapezista se aventura. Precipício por todos os lados. Não se acomete de tonturas, o trapezista. Ou não fosse trapezista e a sua função (ou passatempo) não fosse ousar entre as margens da monotonia, irrompendo em formato insubmisso. O trapezista deve horas ao sono.
Terraplanagem das ideias. Os sobressaltos inundam o pensamento. Uma torrente imparável aterra aos pés do pensamento. Confunde-o. Labiríntico, enreda-se nas múltiplas teias que sopesam as avenidas entretecidas nos sonhos e nos pesadelos. Um espaço todavia vago, de tão imenso e desprovido de cores – dir-se-ia, infinito. Na inventariação dos predadores, perde-se a conta aos subsídios que desarranjam as paredes, que lhes retiram o seu caiar. Talvez seja melhor terraplanar as ideias. Verter sobre elas um imenso alúvio que não se perca nas bagatelas. E deixá-las (às ideias) a medrar no húmus renovado.
Nota de rodapé. Às vezes, trocam-se os predicados na fusão das noções que ganham espessura com as convenções. Uma nota de rodapé é um detalhe perdido no anonimato do fundo de página, o tamanho de letra apequenado vertendo a atenção para o corpo de texto – o texto principal. Só que, às vezes, o sumo está embebido na nota de rodapé. Por demissão do texto principal, que se emaranha no embaraço de si mesmo, remate da sua nulidade.
Amanhã é sexta-feira. Os embaraços servem ao indulto do tempo imerecido. Em véspera das consagrações em formulário espartano, pois o olhar serve-se do vinho eleito.

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