Alex Cameron, “The Comeback”,
in https://www.youtube.com/watch?v=vJ0AzJWKHiY
(Depois do filme “O Quadrado”, de Ruben
Östlund)
O que acontece quando um museu ousa no
anúncio de uma obra de arte, violando os preceitos fixados pelos vigilantes da
linguagem admissível, porventura contrariando a mensagem desencriptada pela
obra exposta?
Não sabemos, não saberemos nunca, de
fonte segura, onde estão os limites da liberdade de expressão. Deles se diz ser
matéria volátil: as fronteiras da liberdade de expressão variam com as pessoas.
Também se convencionou, num mundo moldado por imperativos categóricos, que a
liberdade de expressão é corrompida quando atinge determinados foros. Diz-se: há
assuntos tabu, palavras e contextos impronunciáveis, para não deixar suscetibilidades
abraseadas. A agência de comunicação contratada pelo museu ensaiou um filme
sobre a obra de arte “O quadrado”. Os criativos realizaram um filme que teria
de chocar a audiência: uma menina loira, sem-abrigo, entra no quadrado na
companhia de um pequeno gato e é vítima de uma explosão, os dois corpos estilhaçados
metaforicamente.
Na Suécia há muita mendicidade. Muita
dela tem origem nos refugiados que afluíram ao país. Eis o cocktail explosivo do
filme-anúncio. Sobressaiu o nojo pelo teor e pela mensagem que é um atentado
contra os dogmas nutridos pela maioria bem-pensante. Curiosamente, pensar-se-ia
que essa maioria bem-pensante tem nas elites culturais um guia espiritual –
pois os intelectuais devem colocar os seus dotes (bem-pensantes) ao serviço dos
demais. O curador do museu defendeu-se: o museu, como espaço de artes, não pode
transigir com ataques à liberdade de expressão. O que estava em causa era a
liberdade de expressão do museu, não a mensagem do pequeno, e talvez grotesco,
filme. Às elites culturais não devem ser impostos os mesmos coletes-de-força à
liberdade de expressão que se abatem sobre o comum dos mortais, sob pena de se
hipotecar a liberdade criativa (e, logo, o húmus das artes).
Não sabemos, nunca saberemos, se os
limites à liberdade de expressão são diferentes para o comum dos cidadãos e
para quem dá o seu contributo para as artes. Sabemos que manifestações artísticas
há que teriam esbarrado na intolerância se os limites à liberdade de expressão
não tivessem sido maleáveis em favor desses artistas. Não sabemos, não
saberemos, se a um museu deve ser garantida uma liberdade de expressão que
arroteia caminhos vedados ao comum dos cidadãos. Que mais não seja, como grito
que acorde consciências. Ou se, ao contrário, sendo paradigma, à cultura se
deve exigir o respeito escrupuloso, não maleável, da liberdade de expressão.
A metáfora do filme é o quadrado, a
obra de arte: um fio de néon iluminado que delimita um quadrado esculpido no chão
de paralelepípedos no átrio à frente do museu. E a sua mensagem: saltamos para
dentro do quadrado e somos todos iguais. Todavia, o curador do museu acabou
apanhado numa pessoal contradição, ao distribuir cartas ameaçadoras por todos
os apartamentos de um prédio habitado por emigrantes, depois de saber que o telemóvel
furtado foi localizado nesse prédio. Preconceito armadilhado, quando o pessoal sobressalto
tocou o curador do museu. Depois de afastado do museu, calhou a demissão da sua
boa consciência. Já não a podia resgatar, quando, em marcha-atrás, quis pedir
desculpa ao rapaz migrante que não lhe perdoou por ter semeado a confusão na
sua vida com a carta aleatória. O rapaz já não vivia naquele lugar.
O quadrado é uma ficção – como ficções
são o dogma da igualdade e o valor da liberdade de expressão; ou então, neste
quadrado, que é exíguo, não respiramos por sobrelotação.
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