28.11.17

Sobre as fronteiras dos limites (ou os limites das fronteiras – nem sei bem)

Alex Cameron, “The Comeback”, in https://www.youtube.com/watch?v=vJ0AzJWKHiY    
(Depois do filme “O Quadrado”, de Ruben Östlund)
O que acontece quando um museu ousa no anúncio de uma obra de arte, violando os preceitos fixados pelos vigilantes da linguagem admissível, porventura contrariando a mensagem desencriptada pela obra exposta?
Não sabemos, não saberemos nunca, de fonte segura, onde estão os limites da liberdade de expressão. Deles se diz ser matéria volátil: as fronteiras da liberdade de expressão variam com as pessoas. Também se convencionou, num mundo moldado por imperativos categóricos, que a liberdade de expressão é corrompida quando atinge determinados foros. Diz-se: há assuntos tabu, palavras e contextos impronunciáveis, para não deixar suscetibilidades abraseadas. A agência de comunicação contratada pelo museu ensaiou um filme sobre a obra de arte “O quadrado”. Os criativos realizaram um filme que teria de chocar a audiência: uma menina loira, sem-abrigo, entra no quadrado na companhia de um pequeno gato e é vítima de uma explosão, os dois corpos estilhaçados metaforicamente.
Na Suécia há muita mendicidade. Muita dela tem origem nos refugiados que afluíram ao país. Eis o cocktail explosivo do filme-anúncio. Sobressaiu o nojo pelo teor e pela mensagem que é um atentado contra os dogmas nutridos pela maioria bem-pensante. Curiosamente, pensar-se-ia que essa maioria bem-pensante tem nas elites culturais um guia espiritual – pois os intelectuais devem colocar os seus dotes (bem-pensantes) ao serviço dos demais. O curador do museu defendeu-se: o museu, como espaço de artes, não pode transigir com ataques à liberdade de expressão. O que estava em causa era a liberdade de expressão do museu, não a mensagem do pequeno, e talvez grotesco, filme. Às elites culturais não devem ser impostos os mesmos coletes-de-força à liberdade de expressão que se abatem sobre o comum dos mortais, sob pena de se hipotecar a liberdade criativa (e, logo, o húmus das artes).
Não sabemos, nunca saberemos, se os limites à liberdade de expressão são diferentes para o comum dos cidadãos e para quem dá o seu contributo para as artes. Sabemos que manifestações artísticas há que teriam esbarrado na intolerância se os limites à liberdade de expressão não tivessem sido maleáveis em favor desses artistas. Não sabemos, não saberemos, se a um museu deve ser garantida uma liberdade de expressão que arroteia caminhos vedados ao comum dos cidadãos. Que mais não seja, como grito que acorde consciências. Ou se, ao contrário, sendo paradigma, à cultura se deve exigir o respeito escrupuloso, não maleável, da liberdade de expressão.
A metáfora do filme é o quadrado, a obra de arte: um fio de néon iluminado que delimita um quadrado esculpido no chão de paralelepípedos no átrio à frente do museu. E a sua mensagem: saltamos para dentro do quadrado e somos todos iguais. Todavia, o curador do museu acabou apanhado numa pessoal contradição, ao distribuir cartas ameaçadoras por todos os apartamentos de um prédio habitado por emigrantes, depois de saber que o telemóvel furtado foi localizado nesse prédio. Preconceito armadilhado, quando o pessoal sobressalto tocou o curador do museu. Depois de afastado do museu, calhou a demissão da sua boa consciência. Já não a podia resgatar, quando, em marcha-atrás, quis pedir desculpa ao rapaz migrante que não lhe perdoou por ter semeado a confusão na sua vida com a carta aleatória. O rapaz já não vivia naquele lugar.
O quadrado é uma ficção – como ficções são o dogma da igualdade e o valor da liberdade de expressão; ou então, neste quadrado, que é exíguo, não respiramos por sobrelotação.

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