Gorillaz, “On Melancholy
Hill” (Live on AOL Sessions), in https://www.youtube.com/watch?v=KSxYRlsBNKU
Do lugar do sol emasculado: todavia, as
pessoas já começavam a ter lembrança remota da chuva. Era assim este lugar: um
lugar de meias-tintas, o paradoxal lugar contudo habitado por gente irascível,
contundente, garbosa, ufana do lugar que era sua hospedagem.
Algo não rimava com a observação (mas
tinha de ser um observador exterior a tê-la, não contaminado pela parcialidade
dos residentes). O lugar parecia ter adormecido numa curva do tempo. O tempo
parecia uma eternidade, impassível à convocatória de gente ansiosa por o ver desfilar.
Dizia-se que havia uma praceta onde o tempo andava da frente para trás; saudosos
do pretérito e diligentes apóstolos do imorredoiro presente eram visitas
frequentas à praceta. As propriedades quiméricas da praceta não eram
confirmadas. Mas ai de quem ousasse desafiar os residentes com dúvidas metódicas
sobre a plausibilidade dos efeitos medicinais atribuídos à praceta. As pessoas
ficavam ofendidas. Deixavam de falar, ato contínuo. Porque um mito, para assim
ser considerado, não admite contestação. Que interessava se a contraprova
desmentia o mito? Se assim fosse, deixaria de poder usar as insígnias de mito –
e não interessa desfazer a estultícia de um mito, pois as pessoas precisam de crenças.
Por isso, neste lugar não eram
admitidas árvores de carne e osso. Todas as árvores eram de plástico. Um autóctone
explicou, a certa altura, que ninguém fica com a alma despedaçada quando uma árvore
perece, e ainda por cima, perece de pé. É um fim duplamente indigente: árvore
nenhuma merece a morte, depois de tantos (e não reconhecidos) serviços
prestados; e as mortes são dignas quando são num leito, não são dignas quando
se morre em pé, iludindo quem passa que, a menos que seja perito em botânica, não
sabe que a morte se ocupou da árvore e a homenagem exigível fica proscrita.
Um forasteiro desafiou o orgulho do
lugar quando perguntou, a meio de dois copos de vinho, numa esplanada centrípeta,
se este não era um lugar de puro fingimento. De gente plástica, como as árvores.
O interlocutor, arreigado defensor da superioridade do lugar, com as emoções desbragadas
pelo efeito do vinho a caminho do excesso, quis defender a honra do lugar e, à
maneira antiga, desafiou o forasteiro para um duelo de espadas. O forasteiro
percebeu, depois: o nativo era exímio praticante de esgrima.
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