David Sylvian, “The Ink in
the Well”, in https://www.youtube.com/watch?v=1oYG7cpPok8
Um modo de vida (ou um modo de estar):
sentir o pulso ao mundo, ver para onde corre a corrente e nadar ao contrário. Por
espírito de contradição; por antinomia com o substrato da maré dominante; por desidentificação
com as ideias campeãs. É preferível a redução a uma minoria, sem alinhamentos,
sem ser carne para canhão de combates alheios, sem militância em grupos e grupelhos.
Será – di-lo-ão com gulosa crítica – um
modo de estar nas fronteiras da sociopatia. Não importa o juízo alheio – de outro
modo, era mais confortável o alinhamento com uma moda, para sentir a proteção
da casta e não correr o risco de ir parar às bocas esfaimadas de hienas implacáveis.
Não têm sorte, as hienas soberbas: esta que daqui se reclama é carne intragável.
Por causa da metódica contracorrente, esta é uma carne incomestível. Não
importa saber o paradeiro das hienas. São indiferentes quando o pensamento é
tecido. Pois o pensamento não depende das cauções exteriores ou de ameaças. Não
se pretende proclamar a indiferença ao pensamento outro: a contracorrente bebe
inspiração em pensamento exterior, pois a ninguém é dada a ousadia de se achar
ilha hermética no meio da imensidão da espécie.
O pensamento desalinhado ferve nas
baias do espírito crítico. A começar em si mesmo, por si mesmo. Não se
alimentem certezas, apenas interrogações que dão de beber a posteriores
interrogações. Quando se começarem a empilhar certezas, duvide-se delas,
submetam-se a diligente interrogatório. O pensamento não sossega quando abriga
respostas sem perfumar o país das interrogações subsequentes. Não importa se o
que bate à janela é um insidioso convite de uma ortodoxia, ou de uma
heterodoxia que convoca a alinhamentos que exigem o desprendimento de si. Pois o
que importa é o sal retemperador que abre janelas sucessivas a um pensamento inquisitivo.
No templo da contracorrente, não se
sabe o que é a verdade. Pois o lugar cativo na imperfeição da contracorrente é a
crítica de si mesmo, a perfeição da imperfeição. Meter os braços contra a maré,
contra qualquer maré, é uma metódica heurística. Sem aceitar capitulações, um pérfido
convite à anulação do eu, ao embarcar no sobrelotado navio da conversão ao
pensamento anestesiado. Sem fazer a vontade aos gurus dominantes, que não
toleram um “mas” aos seus comandos. Espírito de contradição, ao menos: para
meter muitos “mas” no lacre apodrecido do pensamento dominante.
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