10.11.17

Contra a corrente

David Sylvian, “The Ink in the Well”, in https://www.youtube.com/watch?v=1oYG7cpPok8    
Um modo de vida (ou um modo de estar): sentir o pulso ao mundo, ver para onde corre a corrente e nadar ao contrário. Por espírito de contradição; por antinomia com o substrato da maré dominante; por desidentificação com as ideias campeãs. É preferível a redução a uma minoria, sem alinhamentos, sem ser carne para canhão de combates alheios, sem militância em grupos e grupelhos.
Será – di-lo-ão com gulosa crítica – um modo de estar nas fronteiras da sociopatia. Não importa o juízo alheio – de outro modo, era mais confortável o alinhamento com uma moda, para sentir a proteção da casta e não correr o risco de ir parar às bocas esfaimadas de hienas implacáveis. Não têm sorte, as hienas soberbas: esta que daqui se reclama é carne intragável. Por causa da metódica contracorrente, esta é uma carne incomestível. Não importa saber o paradeiro das hienas. São indiferentes quando o pensamento é tecido. Pois o pensamento não depende das cauções exteriores ou de ameaças. Não se pretende proclamar a indiferença ao pensamento outro: a contracorrente bebe inspiração em pensamento exterior, pois a ninguém é dada a ousadia de se achar ilha hermética no meio da imensidão da espécie.
O pensamento desalinhado ferve nas baias do espírito crítico. A começar em si mesmo, por si mesmo. Não se alimentem certezas, apenas interrogações que dão de beber a posteriores interrogações. Quando se começarem a empilhar certezas, duvide-se delas, submetam-se a diligente interrogatório. O pensamento não sossega quando abriga respostas sem perfumar o país das interrogações subsequentes. Não importa se o que bate à janela é um insidioso convite de uma ortodoxia, ou de uma heterodoxia que convoca a alinhamentos que exigem o desprendimento de si. Pois o que importa é o sal retemperador que abre janelas sucessivas a um pensamento inquisitivo.
No templo da contracorrente, não se sabe o que é a verdade. Pois o lugar cativo na imperfeição da contracorrente é a crítica de si mesmo, a perfeição da imperfeição. Meter os braços contra a maré, contra qualquer maré, é uma metódica heurística. Sem aceitar capitulações, um pérfido convite à anulação do eu, ao embarcar no sobrelotado navio da conversão ao pensamento anestesiado. Sem fazer a vontade aos gurus dominantes, que não toleram um “mas” aos seus comandos. Espírito de contradição, ao menos: para meter muitos “mas” no lacre apodrecido do pensamento dominante.

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