Surma, “Hemma”, in https://www.youtube.com/watch?v=5iMEbODsJaY
As gastas paredes, condoídas pela alvenaria
à mostra, vociferam a dor excruciante da casa. Da casa assim arvorada em casa
antiga. Não é do musgo, nem das teias de aranha, ou dos rombos causados nas
paredes, aqui e ali, ou da cor desbotada por ação dos elementos em sua conjura
com o tempo infame. Envelheceu, a casa. O que também não é estorvo: às velhas
coisas não se subtrai préstimo, pois até delas se diz terem o predicado do esmero
(e vinha a eito a metáfora do vinho do Porto).
A casa tornou-se um refúgio de que não
apetece ser condómino. Por maus-tratos e injúrias sem vencimento. Tornou-se
gasta e foram os seus fautores a torná-la desprezível. Porque dentro desta casa
há um eflúvio torpe que se eleva ao promontório da sabedoria e olvida – por conveniência,
ou por manifesta incapacidade de deitar o olhar no avesso de si mesmo – que os
telhados de vidro são o expoente da transparência, a caução que empresta pudor
aos limites envidraçados. Tornou-se uma casa que desapetece. Uma casa órfã, na
desidentificação da fronteira que adeja sobre o dorso dorido. Uma casa condenada
a ficar desabitada. Deixando de ter lugar no mapa, devorada pelo esquecimento.
É tempo de esquadrinhar uma casa nova. Uma
casa-cais que saiba ser hospedeiro lugar, ensinando a generosidade que ficou
dissolvida nas paredes pútridas da casa órfã. A casa nova, estamento da
reaprendizagem. Com a casa antiga, no punho fechado da sua decadência, parte do
que fora aprendido havia-se gasto. Era uma casa fétiche, apenas, um revólver contendo
uma bala única e constantemente apontado à fronte, nunca se sabendo quando
calhava o azar de uma absurda roleta russa. O desassossego como princípio geral
do comportamento. Uma casa que passou a ser impossível. A própria casa pedindo,
em gritos lancinantes, para ser tomado seu lugar por outra, merecedora.
A casa nova espera. E não será o
estertor restante, o tempo em sobra na casa órfã, que à migração aprisione em
adulteração. É possível que sejam adriçados compartimentos estanques, para
travar a insídia derradeira que o fautor da casa órfã possa tentar. A casa
nova, por mais desconhecida que seja, é um lugar próprio que se afiança: mesmo às
escuras, um olhar contemplativo lança mão no trunfo atirado à mesa. Enquanto é
tempo. O mapa da casa nova fica para depois.
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