Toulouse, “Paloma”, in https://www.youtube.com/watch?v=hYD9f-q6OJM
Nove horas e catorze minutos. O sol
teimoso. Quase não há vento. Folhas, em decadência. O outono ardiloso. Gente a
chegar. No passo vagaroso, que o tempo não tem de se apressar. Uma carrinha faz
a entrega de uma encomenda (correção: quem entrega a encomenda é o condutor da
carrinha). Ouve-se falar idioma estrangeiro, ininteligível. Uma rapariga passa com
uma mochila às costas – dir-se-ia, mais pesada do que o seu franzino corpo. As
mulheres de limpeza deixam o serviço, depois da faina madrugadora. Falam,
estridentemente. No patamar do primeiro andar, uma rapariga está com a cabeça deitada
na mesa, ensonada. Começa o ruído. Vem aí o dia. A destempo.
Trapezista. Há um certo sabor a malogro.
A incapacidade para correr no mesmo sentido do sangue que corre nas veias. Uma teimosia,
vertida no fio fino onde o trapezista se aventura. Precipício por todos os lados.
Não se acomete de tonturas, o trapezista. Ou não fosse trapezista e a sua função
(ou passatempo) não fosse ousar entre as margens da monotonia, irrompendo em
formato insubmisso. O trapezista deve horas ao sono.
Terraplanagem das ideias. Os
sobressaltos inundam o pensamento. Uma torrente imparável aterra aos pés do
pensamento. Confunde-o. Labiríntico, enreda-se nas múltiplas teias que sopesam
as avenidas entretecidas nos sonhos e nos pesadelos. Um espaço todavia vago, de
tão imenso e desprovido de cores – dir-se-ia, infinito. Na inventariação dos
predadores, perde-se a conta aos subsídios que desarranjam as paredes, que lhes
retiram o seu caiar. Talvez seja melhor terraplanar as ideias. Verter sobre
elas um imenso alúvio que não se perca nas bagatelas. E deixá-las (às ideias) a
medrar no húmus renovado.
Nota de rodapé. Às vezes, trocam-se os
predicados na fusão das noções que ganham espessura com as convenções. Uma nota
de rodapé é um detalhe perdido no anonimato do fundo de página, o tamanho de
letra apequenado vertendo a atenção para o corpo de texto – o texto principal. Só
que, às vezes, o sumo está embebido na nota de rodapé. Por demissão do texto principal,
que se emaranha no embaraço de si mesmo, remate da sua nulidade.
Amanhã é sexta-feira. Os embaraços servem
ao indulto do tempo imerecido. Em véspera das consagrações em formulário
espartano, pois o olhar serve-se do vinho eleito.
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