This Mortal Coil, “Ivy and
Neet”, in https://www.youtube.com/watch?v=C5Gf6U0E1yM
- Sabes da conta das luas?
- Nunca me pus a pensar no assunto.
- Todavia, se fores ao
banco do jardim que está mais próximo do lago dos pavões, verás que tem uma
inscrição que formula a interrogação.
- Não sei se me interessa saber as cores dos segredos.
- Nem te motiva uma
secreta curiosidade, o prazer de levantar a cortina que encerra segredos?
- Se deixam de ser segredos, perdem a sua têmpera. Depois,
vais à procura de outros segredos para deixarem de o ser, e assim
sucessivamente? Nesse caso, os segredos nunca o chegam a ser.
- É a sede de
conhecimento.
- Discordo. É a alcovitaria, apenas. Gostas de ser como as
porteiras?
- Não exageres. As
porteiras são dadas à intriga, ao rumor gratuito. Eu não tenho uma vida tão
desinteressante.
- Então, porque queres saber a conta das luas?
- Outra vez: é a sede de
conhecimento.
- Mas é um segredo, essa aritmética?
- Que eu saiba, não.
- Qual a serventia que esperas retirar ao levantar a ponta
do véu?
- Talvez nenhuma. Vou
somente pelo que a pele eriçada me exige. Nesta altura, saber a conta das luas
que se depõem ao amanhecer.
- Se te importares com a suspensão do tempo...
- Não é isso que está em
causa: há um apetite instantâneo e aprendi que não se devem asfixiar as espontâneas
coisas quando se soerguem.
- Dizes-me que as coisas avulsas é que têm importância?
- As avulsas e as que não
sejam avulsas e tenham sido promovidas ao tabuleiro das coisas arrebatadas. Podem
ser avulsas, ou não.
- Ou não.
- Como assim?
- Discordas dos planos?
- Que planos?
- A corda impecavelmente desenhada no braço forte de um
estirador, os minutos organizados no compasso do pensamento, o estipulado
contrapeso dos sobressaltos, ou apenas as aparas da loucura que vierem nos
despojos da maré. Tudo pode interessar. E para tudo deves contemplar planos
primários e planos de contingência – e guardá-los em cofre forte, contra as intrusões
dos olhares alheios.
- Fico esmagado com tanta
diligência!
- Não te faria mal, por uma vez na vida, metê-la dentro de
baias.
- E ser um zeloso,
obediente, acrítico personagem ao sabor das contingências orquestradas por
outros? Recuso-me. Terminantemente!
- Não exageres. Nem os outros exercem tanta influência
sobre ti, nem tu és o ator centrípeto no teatro onde nos movemos.
- Como desatamos este nó
górdio?
- Não creio ser górdio, nem nó. E mesmo que seja (só para
que a vontade te seja feita), não temos o imperativo de o desatar.
- Não entendo.
- Obedecemos a algum imperativo de reconciliação de
ideias? Somos diferentes. Aceitemos a diferença e consagremo-la. Proponho-te:
levemos a fundo as diferenças, amesendando num bom restaurante. Deixemo-las
medrar nos vestígios de um bom vinho tinto depositado no fundo côncavo do copo.
E assim sucessivamente.
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