The Waterboys, “This Is the
Sea”, in https://www.youtube.com/watch?v=VAiOjxkCS0g
I
O mar é o prolongamento dos corpos
depois de a terra amainar. O seu leito. O seu húmus. Um imenso espelho, de
perder de vista. Não fosse desmentido pela ciência, ao mar seriam creditados
pergaminhos de infinito. Os corpos, às vezes, também são assim. Um imenso leito
que pede água, ou um leito que transborda generosa água, manancial exaurido por
outros. Quando os corpos se fundem com o mar, não há refrigérias águas que
impeçam o tributo. O mar não toma conta dos corpos que por sua conta se banham:
os corpos entregam-se ao mar e nessa entrega fazem-no maior, sublime na fusão
dos elementos.
II
O mar é povoado por navios. Os
vagarosos paquidermes que, todavia, imersos no mar, testemunham a sua pequenez.
Ao contrário dos corpos que explicam a grandeza do mar, aos navios devolve-se a
sua exiguidade. Nómadas, levam pedaços do mar entre os diversos mares. São opúsculos
das marés, resgatando das ondas bravias um pedaço de loucura que é caução para
atravessarem os mares medonhos sem deles terem medo. Desafiam os mares e não
acreditam em naufrágios. Os navios são embaixadores das culturas separadas por
mares. Emprestam as cordas aos mares e os lugares tão distantes entre si ficam
sem as pontas soltas, como se os navios fossem a sua âncora centrípeta. Se não
fossem os navios, os mares eram como os desertos: desertos.
III
O mar é o depósito das fúrias do mundo.
Caldeia-as. Talvez sejam vertidas nos mares todas as lágrimas de exaustão, as lágrimas
de angústias, os depósitos sedimentados da melancolia do mundo. O mar, o tonto
mar, ao tomar conta de tantos impropérios contra a natureza humana,
insubordina-se. As tempestades onde o mar se mostra iracundo, fecundamente
indomável, são o mar a dar voz aos sobressaltos que embaciam o sono. Os mares
agigantam-se em marés vivas, em ondas terrivelmente elevadas, despedaçando-se
contra cais pacientes. São matéria-viva da melancolia em peito aberto. Se não
fossem os mares iracundos, as pessoas seriam insuportavelmente melancólicas,
derrotadas no tabuleiro onde se sopesam as contrariedades. O mar vem em seu
socorro. Mecanismo natural, heurístico, que repõe equilíbrios.
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