3.11.17

O czar da indiferença

Spoon, “Can I Sit Next to You, “live on KEXP), in https://www.youtube.com/watch?v=3I5TPUBqx14    
Talvez a apatia fosse disfarce. Ou então, refúgio contra as importunações exteriores que chegavam em forma de torrencial enxada que seccionava a jugular dos sentidos.
Diziam que não se importava com absolutamente nada. Era indiferente às coisas atiradas com tinta garrida para o calendário, às coisas comezinhas, ao arraial soturno que transtornava os seus semelhantes, às mortes que convocavam exéquias, à celebração da vida, aos contratempos em forma de lamento, às iniquidades que incomodavam as boas consciências. Hibernado em parte incerta, apenas o corpo autómato divergindo, como se cumprisse os mínimos de uma existência não fadada para os preceitos da convivência. Não se importava com juízos. Do hermético arquipélago onde se encontrava, nada do que fosse visitação do seu exterior era estimado na aritmética dos sentidos.
A impassibilidade era contestada, contudo. Por mais que se oferecesse em interior exílio, nas parangonas de uma solidão incompreendida, não era uma ilhota desligada do demais. Mesmo que não quisesse, ou que não fosse do seu reconhecimento, estava metido na densa teia das relações sociais. Por mais asceta que se oferecesse, talvez apenas como remédio ostensivo contra as diatribes que julgava serem conspiração do mundo. Fosse como fosse, havia os outros. Não sufragar o seu reconhecimento era a negação de si mesmo. Mas não dava causa à discussão, cada vez mais ensimesmado, cada vez mais acantonado num frugal exercício de existência confinado ao seu pequeno mundo, cada vez mais dissimulado.
Passavam-se dias a fio que não exercitava a fala. Era quando exagerava do exílio interior e ficava sitiado pelo silêncio. Apreciadas as tonalidades dos dias excruciantes, talvez fosse critério avisado, o silêncio. A par dos pesares mal medidos, recusando a intermediação das palavras impensadas, não era má medida, o silêncio. Julgavam que era indiferença. Nem sempre as meças sopesadas no compasso exterior servem para medir a estatura de alguém.
Afinal, não era indiferença. Ou era apenas indiferença como mediação de outro algo. Indiferença como disfarce necessário da rebelião interior – da rebelião imperativamente castrada, em nome de bens superiores.

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