Spoon, “Can I Sit Next to
You, “live on KEXP), in https://www.youtube.com/watch?v=3I5TPUBqx14
Talvez a apatia fosse disfarce. Ou então,
refúgio contra as importunações exteriores que chegavam em forma de torrencial enxada
que seccionava a jugular dos sentidos.
Diziam que não se importava com absolutamente
nada. Era indiferente às coisas atiradas com tinta garrida para o calendário, às
coisas comezinhas, ao arraial soturno que transtornava os seus semelhantes, às
mortes que convocavam exéquias, à celebração da vida, aos contratempos em forma
de lamento, às iniquidades que incomodavam as boas consciências. Hibernado em
parte incerta, apenas o corpo autómato divergindo, como se cumprisse os mínimos
de uma existência não fadada para os preceitos da convivência. Não se importava
com juízos. Do hermético arquipélago onde se encontrava, nada do que fosse
visitação do seu exterior era estimado na aritmética dos sentidos.
A impassibilidade era contestada,
contudo. Por mais que se oferecesse em interior exílio, nas parangonas de uma
solidão incompreendida, não era uma ilhota desligada do demais. Mesmo que não quisesse,
ou que não fosse do seu reconhecimento, estava metido na densa teia das relações
sociais. Por mais asceta que se oferecesse, talvez apenas como remédio
ostensivo contra as diatribes que julgava serem conspiração do mundo. Fosse como
fosse, havia os outros. Não sufragar o seu reconhecimento era a negação de si
mesmo. Mas não dava causa à discussão, cada vez mais ensimesmado, cada vez mais
acantonado num frugal exercício de existência confinado ao seu pequeno mundo,
cada vez mais dissimulado.
Passavam-se dias a fio que não
exercitava a fala. Era quando exagerava do exílio interior e ficava sitiado pelo
silêncio. Apreciadas as tonalidades dos dias excruciantes, talvez fosse critério
avisado, o silêncio. A par dos pesares mal medidos, recusando a intermediação
das palavras impensadas, não era má medida, o silêncio. Julgavam que era indiferença.
Nem sempre as meças sopesadas no compasso exterior servem para medir a estatura
de alguém.
Afinal, não era indiferença. Ou era apenas
indiferença como mediação de outro algo. Indiferença como disfarce necessário
da rebelião interior – da rebelião imperativamente castrada, em nome de bens superiores.
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