8.11.17

Acobreado

Sigur Rós, “A Return to the Origins of the World”, in https://www.youtube.com/watch?v=MRQwB_zBNSM    
A linha do tempo costurada no desobstruído obstáculo: envelhecem as folhas das árvores, empalidecidas sob a báscula do outono. Preparam-se para a decadência que as há de locupletar dos ramos, espalhando-as em restolho abundante, numa cama que disfarça a aspereza do chão onde as folhas se deitam.
Antes que lá cheguem, vociferam uma grandeza venal. Desmaiam na cor – dir-se-ia – quando o tom acobreado se deita sobre elas; como se fosse o sol, entretanto timorato por ação da luz estremunhada do outono, deitado em descanso sobre as folhas e elas não mostrassem o presságio da decadência, mas a resplandecência de um sol de si frouxo. Vacilam, já frágeis, quando o vento toma proporções e as despenteia em coreografia que se assemelha a um grito lancinante de quem sabe que o chão não demora a fugir sob os pés.
Diz-se: as folhas acobreadas são caducas, estão fadadas à extinção assim que o vínculo filial se adelgaçar e as folhas, amarrotadas e sem remédio, estiverem condenadas a encontrar precipício no chão que as hospedar. Mas o que se diz, os lugares-comuns mandarins de uma sabedoria só superficial, não entra em boa conta. As convenções estão destinadas ao malogro – e não é por acaso que são convenções, limitadas à sua desimportância.
As folhas acobreadas são o químico sortilégio de paisagens dignas de pintores de primeira apanha. Os extensos povoados de castanheiros devolvem o cobre à paisagem. Dando-se o caso de os castanheiros serem fronteiros a um rio, os dias de vento ausente têm uma prodigalidade singular: a mancha desmaiadamente amarelecida duplica-se, reproduzida no espelho de água. É a natureza aristocrata, a sua generosidade: como se não fosse suficiente o quadro bucólico da paisagem enxameada pelo arvoredo transfigurado em suas outonais cores, os elementos conspiram para a encomenda do vento para outros lugares: e eis que os olhos se arrebatam com a paisagem deitada em seu avesso, na tela que é o rio aparentemente inerte.
Não: a tonalidade acobreada das árvores não é o espantalho da morte em seu extravagante anúncio. As árvores embalsamadas na outonal coloração são o festim que prova a bondade do outono – a estação maior.

Sem comentários: