1.11.17

O garrote brasido

Trentemøller, “One Eye Open” (live on KEXP), in https://www.youtube.com/watch?v=LS4tnuyDu9I    
Que garraiada improvável, no apresto sem custódia, entre circos sem palhaços e a vegetação devastada pela imperícia dos desmazelados. Que risada franca, desabitada de preconceitos, a servir de mote para o cálice farto erguido em brinde. Compõem-se os sois dourados por entre a folhagem viçosa de árvores que resistem à decadência. Aprendemos com a postura das árvores. Cuspimos o fogo não fátuo das palavras incensadas, como se por nós fossem transgressões insondáveis os gestos desarmadilhados. Procuramos a sede estouvada nos vinhos armilares, sem importarem as castas nem os envilecidos procedimentos das colheitas.
Deitamos os olhos ao azulado céu e somos testemunhas das cicatrizes nele causadas por aviões em sua demanda; não cessamos de interrogar, em silêncio metódico, por onde se unem as pontas soltas dos aviões enquanto trespassam o céu. É como andar nas ruas movimentadas de cidades centrípetas, das cidades rumadas por turistas de andanças heterógenas, e sentir nos rostos diferentes que vêm em contramão a fusão das culturas, um caldo fervente de diversidade – o rudimento da riqueza maior.
Debatem-se os corpos contra o estertor das ideias em contrafação. O colo desamparado não serve para elas. Os despojos da história são ergástulo não edificante. Ferva-se o lamento sobre a não aprendizagem dos homens. E desviem-se as atenções para a soleira onde nidificam as coisas não perplexas, o murmúrio dos poetas, a vegetação luxuriante das florestas-refúgio, as lágrimas brandidas contra a impostora indiferença. Prouvera a desassombrada fonte vívida onde o hedonismo levita, o refrigério dos outros (ou em relação aos outros), dos outros que não contam na aritmética autenticada. Desviemos o olhar para os cantos lúgubres das vozes búlgaras, para a acintosa passeata de um nascido homem que deixou de o ser, para a lógica dos prazeres inadiáveis, para os gatos gordos em vadia deambulação, para o conhecimento do mundo e dos mundos que nele se refugiam.
E deixemos o resto – o que desassossega, o que embacia o sono em irrematáveis pesadelos larvares – à constrição do garrote brasido. Pois nós permanecemos em nosso inacessível altar de gelo, na combustão clara dos sentidos.

1 comentário:

Anónimo disse...

Fantástico texto!