22.11.17

Espelho de trazer por casa

dB+PZ, “Cara de Chewbacca”, in https://www.youtube.com/watch?v=g_w7evx-dXM    
A feiura é sempre dos outros. Quem se reconhece no ergástulo da sua feiura? Até porque os espelhos por que aferimos a pessoal estética são amestrados. Interioriza-se uma beleza impossível de replicar, quando só o património genético é irrepetível. Mas temos esta mania irreprimível de escarnecer a fealdade alheia, sem cuidar de interrogar um espelho (um imparcial espelho) como estão as nossas contas com o compêndio da estética.  
Este é um assunto em que os telhados são de vidro porque é a transparência da nossa pessoa que manifesta a beleza (ou falta dela). Como não é possível ficarmos sitiados num lugar isolado, sem sermos vistos pelos demais, não há possibilidade de ocultar a pessoal beleza (ou a sua ausência). Admita-se que o assunto esbarra no império da subjetividade: o que a uns olhos parece fealdade, aos outros tolera-se no domínio da beleza. Mas os telhados de vidro atuam como o espelho fidedigno da fealdade para os que montam em tamancos e peroram, com elevadas doses de sarcasmo, sobre a feiura alheia sem possivelmente anuírem na sua própria fealdade. O boomerang cuida da justiça retributiva: antes não seja escarnecida a fealdade dos outros para não sermos os próximos a cair na ingrata centrifugadora do juízo alheio que sobre nós faz abater os cânones da fealdade.
A acrescer, a possibilidade de a implacável censura conter em si um módico de fascismo social. Ele há algum mal em sermos feios? É crime? Não pode um incontroverso feio conquistar amores a eito, apesar da fealdade? Que se precatem os julgadores supremos, os que por tudo e qualquer coisa ostentam um autoproclamado estatuto de superioridade moral, não venham a ser apanhados nas malhas do politicamente incorreto de que tanto se dizem fiscalizadores. Pois escarnecer da feiura não andará longe de escarnecer de uma deficiência, física ou mental. E convém que os exímios verificadores de tudo e mais alguma coisa não passem ao lado do essencial: não se deitem a alinhavar palpites sobre a fealdade alheia, não vá o mesmo juízo sobre eles abater-se.
Nessa altura, para não caírem em prolongada depressão (até porque, por uso e costume, têm-se a si mesmos em muito boa conta), aconselha-se a prescindirem dos pessoais, amestrados espelhos de trazer por casa, por manifesta inutilidade.

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