In https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhGiFl_nGOeMoQoG1Qt3lDRwUdMVsLTAb1TNVKQXMakX0C_uZAqmPJzmcoCOqfvDaPmwPQvHYKj-2c0EXJc8uz3sDm8GulPlyfs2BlrlgSRGvCr3ZFRTZSe-vJx8rH6THD4HqQ-/s1600/lotus+negra.jpg
Aqui a terra é áspera e
negra. Ela come os seus próprios demónios. As arestas das rochas ameaçam as
gentes se perderem de vista a atenção requerida. Aqui a terra era inóspita, até
a força braçal e o engenho a terem arroteado em veigas de fertilidade singular.
Aqui os elementos da natureza são agrestes. Tempestades, mar montês, terra
vulcânica, sismos, chuva copiosa, ausência de estio. Aqui é uma terra de mar,
mas de um mar tão hostil que quase não há pescadores.
Aqui às vezes parece noite
todo o dia. Não apetece sair de casa, tão medonha a tempestade desembainhada.
E, todavia, os corpos que de outro modo teriam o engodo da preguiça entregam-se
à atmosfera pavorosa. Aqui o céu não é azul, mesmo quando as nuvens ditam trégua
e deixam à mostra uma nesga de céu. Dir-se-ia que o céu, de tão habituado às
plúmbeas nuvens, teve o azul adulterado pela síntese do cinzento das nuvens
quase perenes e das cinzas que se acastelam no chão vomitado por vulcões.
Talvez por tudo isto, aqui é
terra de gente rude. Sem ser boçal. Os rostos andam fechados, os olhos são vãos
lugares de onde não há maneira de arrancar um sorriso, sem um único esgar de
alegria. As mãos são um amontoado de rugas e são calejadas. E não são apenas as
mãos de quem amanha a terra que ainda seja bravia. É como se as gentes tomassem
em si um sobretudo dérmico que as protege contra o lugar inóspito que
escolheram para nascer. Pois só de nativos é que fala a gente de aqui, e com
défice de almas por mor daquelas que não aguentaram as privações e escolheram
exílio. Que se saiba, tirando o sacerdote, o notário, duas holandesas que não
falam com ninguém, o talhante e meia dúzia de forasteiros que vieram jogar futebol,
a ninguém é dada a coragem de montar vida neste lugar tão longínquo e adverso.
E, contudo, os daqui têm um
lema que puseram na bandeira da terra: “aqui ninguém vai para o céu”. Porque
tiveram o dom de tornar habitável um lugar que era inóspito. E de tanto sangue
trazerem nas mãos que arrotearam o chão rebordão, convenceram-se que o céu é o
lugar que habitam. Não precisam de outro céu. Até porque a vida que desabrocha
a cada dia que passa é para ser venerada.
2 comentários:
"Estragon: Descobrimos sempre qualquer coisa que nos dá a impressão de que existimos. Não é mesmo, Didi?"
(Beckett, À Espera de Godot)
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