The Durutti Column, “Never
Know”, in https://www.youtube.com/watch?v=c2GFGsFdURU
Era com o peito transido, aberto aos apóstrofes
do tempo, que erravam nas estradas sem gosto. Não se lhes via um sorriso, um
esgar sequer diferente daquele rosto empedernido, como se o estado de alma
fosse sempre o mesmo, imperturbável aos equinócios demandados, impassível às
variações dos dias perpassados.
As pessoas fugiam da caravana. Pareciam malsãos
maltrapilhos, afugentando as assim consideradas pessoas normais, com ênfase
para as criancinhas que nem sequer podiam deitar o olhar na caravana, não
fosse, em retribuição, um qualquer mau-olhado se deitar perenemente sobre elas.
A condizer, os penhorados traziam andrajos sobre o corpo. Cabelos enriçados,
sem penteado que se visse, nem com jeito para rimarem com as ondulações
compostas pelo vento. Diziam, os que mais se aproximaram da caravana, que o
odor era nauseabundo: uma mistura de maus cheiros corporais, roupas que
precisavam de lavagem, comida putrefata, variados álcoois derramados sobre os restos
que se acamavam em cima das carruagens já de si pútridas. A caravana era
comandada por um ancião ainda vigoroso, pelo menos pela pose, dir-se-ia,
aristocrática. Não passava de um jogo de adivinhações: por onde a caravana
passava não havia histórias de interlocuções entre os locais e os nómadas da
caravana. Não era possível certificar a ausência dessas histórias, pois as
pessoas dos diferentes povoados não falavam sobre o assunto.
À primeira vista, a caravana parecia composta
por umas três dezenas de pessoas. Pareciam retirados de um filme de horrores. Gente
inestética, gente ferida, gente com muletas, ostentando os curativos pútridos, amálgama
de sangue recesso e de sujidade irrecusável, gente silenciosa, gente ameaçadora.
Era como se fossem ciganos, sem o serem por sangue. Uma tribo ambulante, andando
de povoado em povoado, apenas como ponto de passagem.
Não se sabia quanto tempo levava a peregrinação.
Não se sabia para aonde iam. Não se sabia quanto tempo ainda sobrava à demanda.
Não se sabia se tinha havido deserções, ou se alguns membros tinham perecido
(tal era a sua exterior fragilidade). Não se sabia nada. Mas também não
interessava. Havia – como dizê-lo? – um sucedâneo de código de conduta entre os
habitantes dos povoados e a caravana dos penhorados: a senha vital era a convivência
pacífica. Ignoravam-se reciprocamente. Como se fosse um jogo de jogos e, no
tabuleiro sem peças, os residentes dos povoados visitados e a caravana de
penhorados não tomassem o risco de articularem uns com os outros.
Foi deste modo por anos a fio. Um dia, deixou
de haver notícias sobre a caravana de penhorados. Ninguém sabia do seu
paradeiro. Até hoje. Os mais desconfiados têm uma teoria: os penhorados
abjuraram a sociopatia e recolheram-se nas virtudes da sociedade. Os ainda mais
desconfiados têm a certeza (pouco credível, contudo) que os penhorados se
mascararam de gente comum, infiltrando-se. Para corromperem a gente comum.
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