Queens of the Stone Age, “The
Evil Has Landed”, in https://www.youtube.com/watch?v=Exa0CzlCb3Y
Que catilinária devastadora! Atirava-se ao
justiceiro sem espada, que era um fugitivo indomável tomando conta de tudo,
sobretudo da vontade própria. Numa luta de contrários, como se em dois hemisférios
o ator estivesse dividido e os dois se antepusessem em lados irreconciliáveis.
Uma das partes, segura das coisas seguras, com
aversão ao risco que saísse da linha traçada em planos congeminados em absoluta
minúcia. A outra parte, uma insubmissão desatada, espalhando pregos aguçados no
caminho que sabia ser repetidamente cursado pela parte penhora das certezas e
das coisas seguras. A parte segunda atirava-se furiosamente à parte primeira.
Esta, à primeira vista, parecia não fazer caso. Era só um faz-de-conta: não
dando o braço a torcer, sabia das ameaças de que a parte rebelde era
testa-de-ferro. Não queria perder as rédeas.
Apesar de apenas ter domínio numa das metades,
as contas não eram feitas com o sopeso da quantidade. A metade dominada pela
parte primeira, a que era tributária da quietude e da certeza do acontecido,
era a metade dominante. Dela fruíam grande parte dos rudimentos que
congeminavam o ator. A metade outra, embora metade como a anterior, era uma parte
deliberadamente esquecida por ação da parte contrária que se precatava contra as
prováveis aleivosias da parte oposta. Divergiam em tudo. Nos panos de fundo, no
atapetar dos palcos onde encontravam paz para lobrigarem, no vocabulário usado,
na combinação preferida do tempo, nos riscos assumidos (ou na sua ausência), no
desembrulhar das emoções em exercício contável, nas armas terçadas, no método
(o oculto, ou o desassombro), na tolerância, ou na falta dela.
A parte primeira, a dominante, escondia-se sob
um falso jugo de tolerância. Aceitava conviver com a parte segunda. Só o fazia
por se saber dominante. E por ter a impressão, afivelada numa demorada experiência
e no domínio dos processos, que a parte segunda, sua rival, não era equação que
contasse para a perda de seus privilégios. A parte segunda era radical. A parte
primeira tinha de ser eviscerada, condenada à extinção sem obséquios. Pois a
parte segunda, na fervente sublevação sem modos, sabia que só por um acaso podia
medrar. A parte segunda era o murmúrio perene que açoitava, com predicamentos
profundos em voz gutural, a parte primeira. Endossava recados que eram
mensagens contundentes. Não havia meias-tintas. Ou era ela, e o ator se libertava
dos estorvos que nem sequer assim os chegava a reconhecer, crescendo para uma estatura
que jamais julgaria ser possível; ou era a parte primeira e a sua modorra, as mãos
do ator algemadas ao passado sem diferença do futuro em espera.
A parte segunda fez um ultimato: “stop making sense” – assim, em inglês,
para ludibriar a parte primeira (que, por mais rudimentar, podia não dominar línguas
estrangeiras). Aquilo que fizera sentido até agora podia nem fazer sentido se
outra fosse a lente a decantar tudo em redor. Era preciso desconstruir perceções.
Para as reinventar, usando uma nova, desembaciada lente sem pregas com o tempo
pretérito.
A parte primeira definhou. Foi ficando pequena,
cada vez mais pequena. A certa altura, de tão indiferente, sumiu-se num pequeno
ponto negro que tomou conta de um pedaço do tempo. E o ator deixou de fazer
sentido, sem se inquietar. Como era reconfortante deixar de fazer sentido!
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