7.8.17

Quando as sombras deixaram de ser o pano de fundo – e não tinha a certeza se isso constituía boa notícia



First Breath After Coma, “Umbrae”, in https://www.youtube.com/watch?v=IAucRgehvMY    
Defeito de fabrico – supunha ser seu tormento incorrigível. Era hábito protestar contra as usurpações assim avalizadas. (Não se entenda usurpação no sentido literal, antes pelo viés de metáfora.) Houve tempos, demorados tempos, que andou com sombras perenes tingindo com cor apropriada (para as sombras colonizadoras) o céu assim melancólico.
Às vezes, sombras que sobravam do restolho, contrariedades, temerosas adversidades apanhadas em má sementeira, dias coalhados. Outras vezes, apenas sombras imaginadas. Queria-se convencer que as sombras que vinham ao regaço, em sendo intangíveis, fruíam das outras que houveram palco e deixaram cicatrizes. A certa altura, já não sabia que sombras pertenciam ao monólogo dos murmúrios contra si orquestrados e as que vinham ao papel na forma de pesadelos. Nem sabia a ordem de causalidade: julgava que certas sombras tiveram lugar por causa da persistência de outras apenas oníricas – tal como acontece com os supersticiosos que julgam não ser boa ideia pensar num mal qualquer, pois isso constitui chamamento desse mal.
Agora era como nos filmes que têm um bom final: às tempestades segue-se o tempo abonançado e toda a gente fica feliz (menos os espíritos desprovidos de bondade, mais propensos ao espetáculo majestoso e destruidor de uma tempestade). No horizonte já não adejavam sombras. Era o céu em todo o seu esplendor, soalheiro depois da alvorada e magistralmente estrelado depois de o sol dizer adeus ao dia. Julgava ser razão de congratulação. Pelo menos, assim mandavam os cânones. E, todavia, um vazio tinha tomado conta por dentro. As cicatrizes avivaram-se. Não sabia explicar. A ausência de sombras não chegava para deitar o rosto ao feixe de vontades desinquietadas que vinham escritas em tinta da China no horizonte descomposto de sombras. Porventura era um daqueles agentes fora da regra para quem as tempestades eram matéria-prima indelével, muito mais do que um passatempo de amantes da meteorologia; matéria-prima de estrofes embebidas no poder demiúrgico da devastação de uma tempestade.
Aprendeu: só quando se experimenta o oposto do que se tem, e que se julgava ambicionar, é que o seu contrário, dantes desprovido de valor, regressa à cumeeira das coisas estimadas. Sem isto querer dizer que só se sentia desembaraçado de estorvos na hipótese das sombras; tudo o que queria dizer, em fruição da aprendizagem recente, é que um equilíbrio bem medido de uma coisa e do seu contrário é mandamento recomendável.

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