New Order, “Elegia”, in https://www.youtube.com/watch?v=h4fFnPJoecM
Reparações de urgência: o imenso candelabro que
encimava a sala ameaçava pender perigosamente para um dos lados e não se sabia
se os parafusos tinham apodrecido e deixaram de ser servis à sua função. Ninguém
queria ver o candelabro esboroar-se com estrépito no chão. Não que estivessem
muito importados com o candelabro; eram unânimes: era um enfeite atávico que,
para os dias que corriam, tinha perdido pergaminhos estéticos. Não queriam
imaginar o que seria o restolho espalhado na sala consequente à fragorosa
deposição do candelabro – os milhentos pedaços de vidro pulverizados no chão à
espera de alguém para a necessária limpeza. É como acontece em algumas coisas
da vida comum: as pessoas fazem coisas não porque apeteça fazê-las, mas porque
o seu contrário importa custos insuportáveis.
Todavia, um deles protestava contra o possível
desleixo do candelabro. Berrava aos que passavam: era um sinal da identidade
que tinha esteios fundeados em tempos ancestrais. Dizia: abdicar do candelabro
era meter um punhal bem fundo nas costas dos ancestrais. Não se podia
congeminar tamanha falta de consideração. Os ancestrais eram o húmus de parte
importante da identidade que cimentava os laços recíprocos. Ainda por cima, ele
tinha o que alguns consideravam “voz de comando”. Era ouvido. Era, até, temido
por alguns que se habituaram a não discordar dele, para não levitar uma ira malparida
que ficara conhecida e não fora pelas boas razões.
À medida que o candelabro se inclinava e o
impasse ganhava fermentação, adiando a decisão, uma decisão qualquer (a reparação
do candelabro, ou o despojar do teto), alguns pareciam desligar-se do temor
reverencial por aquele que dantes consideraram, mesmo sem contrato escrito
nesse sentido, chefe. Um chefe sem trono. Insinuou-se a possibilidade de estar
na forja uma golpada, tantas as vozes que com o correr dos dias iam mudando de
lado. Sentindo-se acossado e cada vez mais sozinho, o putativo chefe
acantonou-se na sala e passou a ser o diligente zelador do candelabro. Não
deixaria que umas almas desapossadas de alma irrompessem pela sala e
destronassem o candelabro. Tomou uma posição de força: teriam de o destronar se
quisessem destronar o candelabro. E assim o episódio deu a conhecer o
candelabro como a coroa decadente de um chefe que se debatia na sua influência
também ela decadente.
O problema resolveu-se sozinho: a meio de uma
noite, os derradeiros parafusos, gastos pela podridão e incapazes de ampararem
o candelabro, desprenderam-se. O candelabro estatelou-se com fragor em cima da
cabeça do lídimo zelador. O homem, à espera de socorro e ferido de morte, teve
tempo para balbuciar as últimas palavras, com força, ainda, para erguer o dedo aos
demais, acusando-os: “amigos da onça, vocês
são uns amigos da onça”.
Os outros – até os que na véspera ainda se
mantinham leais ao chefe sem trono – não se importaram. De uma assentada,
resolveram dois problemas.
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