17.8.17

Quarenta e oito votos


Sigur Rós, “The Nothing Song”, in https://www.youtube.com/watch?v=0QM1QdRpFxU    
Formou um partido. Melhor dizendo: inventou um partido. A paisagem estava já enxameada de partidos. Dizia-se que eles ocupavam todos os espaços possíveis do mercado dos eleitores. Mesmo assim, ela conseguiu inventar um partido. Tratando-se de uma invenção, o partido tinha de ser dominado pela originalidade. Ela conseguiu-o. O mote do partido era este: “se tiver dois dedos de juízo, não vote neste partido.
Talvez para quadrar com a singularidade do partido, ele chamava-se Partido do Nada. Apressou-se a aclarar que não tinha nada a ver com o niilismo de Nietzsche. Também não quis confessar que a escolha do nome ficara ditada pela contraposição entre a originalidade e a falta de inspiração para encontrar um nome que fosse batistério cabal. O programa de intenções, uma folha em branco. Tinha de corresponder à natureza do partido. Se ele versava sobre o nada, as suas intenções tinham de ser a preceito. Sabia, à partida, que nenhum eleitor podia acusar o partido de não ter cumprido a sua promessa eleitoral.
A sua vida estava facilitada. Ao contrário dos concorrentes nas eleições, que perdiam horas e horas de sono e do resto a queimar pestanas com o propósito de crismarem promessas miríficas e pregões contundentes, ela e os poucos seguidores (que os tinha) não tiveram esses cuidados. Era um partido tão positivo (apesar do nome) que, à pergunta do moderador do debate na televisão sobre as críticas que constituíam o alicerce do partido, ela disse não ter nada a apontar ao funcionamento do país em particular e do mundo em geral (enquanto o dizia com um indisfarçável esgar de gozo). A mesma passividade quando desafiada a discorrer sobre as ideias que eram âncoras do manifesto eleitoral: nada, a condizer com o nome que apadrinhava o partido. O moderador do debate ficou sem reação, pondo-se um silêncio constrangedor, enquanto o grande plano mostrava alguns líderes dos partidos concorrentes esboçando irritação notória, acenando a cabeça em tom de reprovação, a expressão corporal manifestamente dizendo qualquer coisa como “pouca vergonha, vem esta personagem brincar às eleições – não se brinca com coisas sérias.
No fim das eleições, depois da contagem dos votos, o Partido do Nada apurou quarenta e oito votos. Não podia ser engano, pois o partido não figurava em lugar próximo dos partidos com mais visibilidade (e se assim fosse, por defeito de pontaria de alguns eleitores pitosgas, o número de votos teria sido superior). Ela ficou abismada. Conseguiu convencer quarenta e oito pessoas! Nessa noite, dormiu o maior sono dos justos que se pode imaginar. Sabia ter sido a vencedora das eleições.

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