Sigur Rós, “The Nothing Song”, in https://www.youtube.com/watch?v=0QM1QdRpFxU
Formou
um partido. Melhor dizendo: inventou um partido. A paisagem estava já enxameada
de partidos. Dizia-se que eles ocupavam todos os espaços possíveis do mercado
dos eleitores. Mesmo assim, ela conseguiu inventar um partido. Tratando-se de
uma invenção, o partido tinha de ser dominado pela originalidade. Ela
conseguiu-o. O mote do partido era este: “se
tiver dois dedos de juízo, não vote neste partido.”
Talvez
para quadrar com a singularidade do partido, ele chamava-se Partido do Nada.
Apressou-se a aclarar que não tinha nada a ver com o niilismo de Nietzsche.
Também não quis confessar que a escolha do nome ficara ditada pela
contraposição entre a originalidade e a falta de inspiração para encontrar um
nome que fosse batistério cabal. O programa de intenções, uma folha em branco. Tinha
de corresponder à natureza do partido. Se ele versava sobre o nada, as suas
intenções tinham de ser a preceito. Sabia, à partida, que nenhum eleitor podia
acusar o partido de não ter cumprido a sua promessa eleitoral.
A sua vida
estava facilitada. Ao contrário dos concorrentes nas eleições, que perdiam
horas e horas de sono e do resto a queimar pestanas com o propósito de crismarem
promessas miríficas e pregões contundentes, ela e os poucos seguidores (que os
tinha) não tiveram esses cuidados. Era um partido tão positivo (apesar do nome)
que, à pergunta do moderador do debate na televisão sobre as críticas que
constituíam o alicerce do partido, ela disse não ter nada a apontar ao
funcionamento do país em particular e do mundo em geral (enquanto o dizia com
um indisfarçável esgar de gozo). A mesma passividade quando desafiada a
discorrer sobre as ideias que eram âncoras do manifesto eleitoral: nada, a
condizer com o nome que apadrinhava o partido. O moderador do debate ficou sem
reação, pondo-se um silêncio constrangedor, enquanto o grande plano mostrava
alguns líderes dos partidos concorrentes esboçando irritação notória, acenando
a cabeça em tom de reprovação, a expressão corporal manifestamente dizendo
qualquer coisa como “pouca vergonha, vem
esta personagem brincar às eleições – não se brinca com coisas sérias.”
No fim
das eleições, depois da contagem dos votos, o Partido do Nada apurou quarenta e
oito votos. Não podia ser engano, pois o partido não figurava em lugar próximo
dos partidos com mais visibilidade (e se assim fosse, por defeito de pontaria
de alguns eleitores pitosgas, o número de votos teria sido superior). Ela ficou
abismada. Conseguiu convencer quarenta e oito pessoas! Nessa noite, dormiu o
maior sono dos justos que se pode imaginar. Sabia ter sido a vencedora das
eleições.
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