Tricky ft. Martina
Topley-Bird, “When We Die”, in https://www.youtube.com/watch?v=rpeqbKs-tpA
Eram voluntários que faziam a ronda pelos
asilos onde pernoitavam velhinhos. Tinham a função de evitar que os velhinhos
se esquecessem de como é o carinho. Não tinham tempo enquanto estavam
açambarcados por esta demanda: os abraços podiam levar horas a fio. Podia ser
que houvesse uma velhinha carente que precisasse de um demorado abraço. Eles,
voluntários para estas coisas, nunca viravam o rosto a uma solicitação. Se uma
velhinha houvesse a precisar de um demorado abraço, ficavam ali enquanto se
demorasse o abraço.
Sentiam descer uma proteção sobre os idosos
assim que emprestavam seus corpos aos abraços precisados. Nunca houvera um só
velhinho a esvair-se em lágrimas durante um apertado abraço, mesmo quando souberam
de véspera que um comparsa tinha perecido, ou quando souberam de outra
contrariedade qualquer (a mais frequente era o desinteresse dos familiares, a
quem já não podiam chamar entes queridos). O abraço era uma panaceia. Enquanto
os seus corpos fossem ao encontro dos corpos voluntários que irradiavam ternura,
um feixe de luzes intensas, luminescentes, percorria os corpos dos idosos. Era como
se, de repente, rejuvenescessem um par de anos. A cada abraço deixado, um par
de anos era-lhes creditado. Em contravenção com os costumes (que se
desabituaram de obedecer), diziam, em jeito de graçola, que estes abraços eram
a sua droga.
Não se sabia se era por acaso, mas a esperança
média de vida dos utentes dos asilos visitados subira desde que estas visitas
de multiplicação de carinho tinham começado. (Já havia estudos no terreno para
apurar a causalidade.) Havia uma regra de ouro: durante o abraço, não eram
admitidas palavras. Só valia o silêncio. Pois através do silêncio escutavam os
poros a respirar no reencontro com o carinho, e o carinho multiplicava-se nas
suas ondas imparáveis, dissolvendo as sombras pendentes. Os idosos eram unânimes:
desde que tiveram início as visitas dos voluntários da ternura, dormiam melhor
(alguns começaram a dispensar soporíferos), sorriam mais, conseguiam olhar
através da janela sem terem medo do assalto da nostalgia ou da melancolia,
apetecia-lhes ler, ouvir música, ir ao teatro, conversar com outros velhinhos,
ou apenas sair para sentirem o ar da rua. Sabiam-se frágeis, todavia
fortalezas, como se reviessem à infância e fossem a imagem dela projetada. Eram
bonsais.
Na posse do carinho intermediado pelos abraços,
os velhinhos conseguiam sentir as rugas do tempo sem se intimidarem com a sua
marcha indelével. Era melhor saberem que se entregariam à morte, se ela viesse,
contumaz e sem pré-aviso, se na véspera tivesse havido uma embriaguez de
ternura. E eles, os voluntários do carinho, reaprenderam o tecido frágil por
onde se tece a inteireza do carinho.
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