2.8.17

Bonsai


Tricky ft. Martina Topley-Bird, “When We Die”, in https://www.youtube.com/watch?v=rpeqbKs-tpA    
Eram voluntários que faziam a ronda pelos asilos onde pernoitavam velhinhos. Tinham a função de evitar que os velhinhos se esquecessem de como é o carinho. Não tinham tempo enquanto estavam açambarcados por esta demanda: os abraços podiam levar horas a fio. Podia ser que houvesse uma velhinha carente que precisasse de um demorado abraço. Eles, voluntários para estas coisas, nunca viravam o rosto a uma solicitação. Se uma velhinha houvesse a precisar de um demorado abraço, ficavam ali enquanto se demorasse o abraço.
Sentiam descer uma proteção sobre os idosos assim que emprestavam seus corpos aos abraços precisados. Nunca houvera um só velhinho a esvair-se em lágrimas durante um apertado abraço, mesmo quando souberam de véspera que um comparsa tinha perecido, ou quando souberam de outra contrariedade qualquer (a mais frequente era o desinteresse dos familiares, a quem já não podiam chamar entes queridos). O abraço era uma panaceia. Enquanto os seus corpos fossem ao encontro dos corpos voluntários que irradiavam ternura, um feixe de luzes intensas, luminescentes, percorria os corpos dos idosos. Era como se, de repente, rejuvenescessem um par de anos. A cada abraço deixado, um par de anos era-lhes creditado. Em contravenção com os costumes (que se desabituaram de obedecer), diziam, em jeito de graçola, que estes abraços eram a sua droga.
Não se sabia se era por acaso, mas a esperança média de vida dos utentes dos asilos visitados subira desde que estas visitas de multiplicação de carinho tinham começado. (Já havia estudos no terreno para apurar a causalidade.) Havia uma regra de ouro: durante o abraço, não eram admitidas palavras. Só valia o silêncio. Pois através do silêncio escutavam os poros a respirar no reencontro com o carinho, e o carinho multiplicava-se nas suas ondas imparáveis, dissolvendo as sombras pendentes. Os idosos eram unânimes: desde que tiveram início as visitas dos voluntários da ternura, dormiam melhor (alguns começaram a dispensar soporíferos), sorriam mais, conseguiam olhar através da janela sem terem medo do assalto da nostalgia ou da melancolia, apetecia-lhes ler, ouvir música, ir ao teatro, conversar com outros velhinhos, ou apenas sair para sentirem o ar da rua. Sabiam-se frágeis, todavia fortalezas, como se reviessem à infância e fossem a imagem dela projetada. Eram bonsais.
Na posse do carinho intermediado pelos abraços, os velhinhos conseguiam sentir as rugas do tempo sem se intimidarem com a sua marcha indelével. Era melhor saberem que se entregariam à morte, se ela viesse, contumaz e sem pré-aviso, se na véspera tivesse havido uma embriaguez de ternura. E eles, os voluntários do carinho, reaprenderam o tecido frágil por onde se tece a inteireza do carinho.

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