Heróis do Mar, “A glória do
mundo”, in https://www.youtube.com/watch?v=jpyOizN2vfw
Sinais. Os imperativos sinais de pertença. Que outra
alternativa, se não respeitá-los e, nos casos de fervorosa contemplação, endeusá-los?
Aprende-se desde dos tenros anos escolares. A bandeira tem um significado. As
suas cores, também. O escudo armilar – e por aí fora, numa narrativa homérica. Invocam-se
gestas de antepassados que ficaram com nome próprio selado na História. Cimentam-se
as lealdades, que é desde pequeno que se interiorizam as boas práticas. Às
vezes, quando a bandeira ondeia como a pauta onde deslizam as notas do hino, mete-se
a mão ao peito: sente-se o peso da pátria e, caso aconteça terçar o peito às
balas em defesa de honra da pátria, vertem-se umas lágrimas de comoção quando
os olhos marejados testemunham o momento imbativelmente solene da parelha
bandeira-hino.
E ai de quem dissidir, depressa apedrejado no público
púlpito onde os hereges da nacionalidade (ou, dir-se-á, em convocatória do
rigor, do nacionalismo) são julgados. A ninguém é dado o topete de escarnecer os
símbolos que estão (entendimento dos bravos patriotas) um degrau abaixo da metafísica
local. São condenados em juízo sumário, alistados no exército dos renegados. Talvez
não sintam o sono locupletado se assim acontecer; afinal, são atirados para
esse fosso onde, de acordo com os implacáveis algozes, vegetam as criaturas
desonradas.
E depois os olhos atentos veem atletas
abraçados à bandeira em certames internacionais, quando ostentam proezas e
proclamam, ufanos, que é um triunfo de todos os patrícios simbolicamente
representados na bandeira. Supõe-se que os atletas sejam devidamente instruídos
pelos burocratas da respetiva federação desportiva: eles competem em
representação da pátria e, em alguns casos, acontece a pátria pagar-lhes
generosos subsídios para se treinarem como deve ser para açambarcarem o ouro
medalhado. Os atletas, pobres almas condenadas ao respeito hierárquico, anuem. Sem
estacionarem o pensamento durante uns minutos, o suficiente para se
interrogarem se o esforço físico preciso para arrebatar a proeza foi o
resultado da convergência da energia mental dos patrícios nesse sentido, ou se foi
apenas (e que grande apenas) o produto do esforço do corpo do atleta.
A pátria (quase) inteira exacerba o sentimento
de pertença. O triunfo na competição desportiva prova: somos-melhores-do-que-os-outros!
Eu, que não me comovo com estes preparos pátrios, nem tenho o dote de zelar
pelos símbolos do que se alega ser cimento identitário, sou tomado por um
acesso alérgico. Não se respeita o atleta como ele merece. E vejo a pátria de
emoções inflamadas descair para um pueril sentimento de comparação com os
demais, como se fosse preciso (como uma escondida textura do cimento da
identidade) esbofetear nas ventas dos outros que somos melhores do que eles. Parafraseando
Eduardo Lourenço, vangloriar a pertença nacional através dos “bons exemplos” em
que somos exemplo acima dos demais, é do domínio da infantilidade, um
narcisismo próprio de quem é terrivelmente inseguro das suas capacidades. É uma
vã glória.
Bem-vindos ao terreno minado do nacionalismo.
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