Wordsong, “Opiário”, in https://www.youtube.com/watch?v=tdoeehDtTS0
Não parava quieto dentro da mesma
personalidade. Desmultiplicava-se ao sabor dos pseudónimos criados sem parcimónia.
Prolixo, dividia-se consoante os humores premiados ao pseudónimo que emergia
com a espuma do dia.
Uns dias contava-se como uma personagem, com os
seus maneirismos, os seus feitios, as suas idiossincrasias, as suas maneiras
específicas de se dirigir aos outros, os seus gostos peculiares. À mudança de pseudónimo
tudo mudava em conformidade. Vinham ao de cima as contradições entre as
diferentes personalidades acoitadas nos diferentes pseudónimos. Todos davam
conta. Menos ele. Os poucos que se importavam com a disfunção esgrimiam a
bandeira, não fosse dar-se o caso de ele não ter notado que podia ser apenas
uma patologia (e este “apenas” era uma contradição de termos). Não admitia as
interpelações. Reagia desabridamente, o que foi pondo as pessoas com ele preocupadas
fora do seu radar, afastadas unilateralmente, sem rebuço.
Houve um momento em que se achou sozinho. Sozinho
com as diferentes personalidades. Não tinha mãos a medir com os seus
deslimites. Ainda havia quem contemporizasse, encantado com a capacidade para
se desmembrar em diferentes eus consoante os predicados do dia. A seu favor,
dizia-se que ele não cabia dentro de si. Tinha de extravasar dos limites do eu,
dividindo-se à vez, e sem critério, nos alter egos que sentiu soerguer de cada
vez que se achava exíguo para comportar toda a sua inteireza. Era como se
dentro dele corressem diferentes, e contraditórios, eus. Subscrevia a psicanálise
favorável. Disfarçava desconhecer a psicanálise oferecida em desobediência da
que lhe era favorável. Um certo caso de autismo.
Outros, com notória indiferença, limitavam-se a
desdenhar da proeza, que o não consideravam ser de tal jaez. Se era prolixo em personalidades,
e se elas tinham o selo da contradição interna, não era por ser de uma estatura
tamanha que não coubesse dentro da personalidade que lhe correspondia. Irascível,
desconfiado e até sociopata, não era um caso de admirável transfiguração em
alter egos. Tudo não passava de uma metódica exaustão que se consumia por
dentro de si mesmo. Quando tinha a oportunidade para tirar de si o avesso,
insurgia-se. Insurgia-se contra si mesmo. Mas não admitia. Afinal, não era o
arquétipo de diferentes pseudónimos por espontânea ação. Era um embuste. Assim
como todos os alter egos em que nidificava.
A certa altura, já não sabia a qual dos pseudónimos
correspondia. Um caso manifesto de correção por excesso.
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