22.8.17

Desempate


Portishead, “Glory Box”, in https://www.youtube.com/watch?v=4qQyUi4zfDs    
A questão das armas terçadas: não se prendam rostos argutos ao despudor das armas ausentes. Dizem que é inverosímil. Dizem que todos têm de ter armas à mão para o caso de ser preciso terçá-las. Dizem, ainda, que as terçadas armas podem ser imperativas para defesa contra agressividades espúrias, ou apenas como postura atacante na projetada conquista de um território qualquer.
Eu mantenho: não são precisas armas. Nem quando um empate faz pender o equilíbrio para o infortúnio da incerteza. Não se medem as virtudes de alguém pela centelha que sobra depois de destroçar rivais avulsos. O repouso dos ossos cansados, ou mesmo – e apenas – do corpo que precisa de estivar as suas internas sobreposições, desaprova rivalidades inconsequentes. Manda-se passar ao lado dos sobressaltos que podem destravar o freio das contendas. Poupa-se o sono a insónias madraças. O desempate convoca a alienação das armas. As mãos aparecem nuas porque não há contendas para travar. Em vez de armas, o desempate encomenda às mãos empreitadas mais nobres – a arte de uma arte qualquer, as mãos suas artesãs incondicionais. Sem medo de derrotas, que o seu avesso – o triunfo dos oponentes – só o é se de um lado houver aceitação do que esteja em liça, o que não é o caso.
Muitos desdizem que o rosto não se oferece duas, três, as vezes que forem precisas, por imposição do palco alisado, sem chão pedregoso, onde o corpo se deita sem ganhar cicatrizes. O fumo intenso que se soergue da caldeira de um vulcão não se trata de congeminações funestas, conspirações escritas em papeis com linhas entortadas, uma convulsão torturante que se assemelhe à véspera da morte. Na miríade de cores filtradas pelas cinzas atiradas ao céu cabem uma constelação de palavras delicodoces e grandiosas, uma tela extensa contendo as imagens emolduradas que esperam pelo porvir desembaraçado.
O desempate corre a favor. Os olhos desembaciados sabem-no. Sem o estorvo das lágrimas, ou o pendor para o estertor inútil, os olhos escrevem o desempate a favor na linguagem indelével das obras com selo dourado.

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